Entre crises e boatos: Como empresas fortes protegem sua reputação no caos

Na era da pós-verdade, cabe a todos – empresas, veículos de comunicação, reguladores e cidadãos – contribuir para um ecossistema informacional mais saudável.

Foto Patrícia MarinsPatrícia Marins, sócia-fundadora da Oficina Consultoria e do WOB - Women on Board e Conselheira do MeToo Brasil. (Foto: Divulgação)

Vivemos em um tempo em que dados são ativos estratégicos, a inteligência artificial redefine narrativas e a hiperconectividade transforma qualquer deslize em uma crise global instantânea. Para as empresas, esse cenário impõe o desafio crescente de gerenciar a reputação em um ambiente em que a verdade disputa espaço com a desinformação. Mais do que nunca, saber antecipar riscos, construir discursos sólidos e reagir com transparência se tornou uma questão de sobrevivência corporativa.

A disseminação de informações falsas é um mal pandêmico, mas não é um fenômeno recente. No século passado, a sociedade preferia acreditar em fábulas em vez da ciência de Nicolau Copérnico, como diz Yuval Harari em seu livro "Nexus". O que distingue os tempos atuais é a velocidade e o alcance proporcionados pela tecnologia digital, que potencializam a propagação de mentiras.

A arena do debate público, que nunca foi um espaço para o consenso, mudou radicalmente as regras do jogo com a mediação das big techs, que passaram a deter não apenas os dados dos usuários, mas o controle das vias pelas quais se dá o debate.

Sem moderação, plataformas como o X (antigo Twitter), de Elon Musk, se transformaram em terreno fértil para teorias conspiratórias, discursos de ódio e manipulação em massa, interferindo em eleições, agravando crises sanitárias e enfraquecendo instituições democráticas. Estamos vivendo um risco inédito, a ponto de o Fórum Econômico Mundial, no ano passado, em Davos, colocar a desinformação como o grande mal da década.

Falar de fake news é cair numa discussão altamente complexa. A expressão carrega um viés, pois coloca um elemento de dúvida na notícia. O que está em jogo, na verdade, é manipulação deliberada com intuito de enganar, influenciar e, frequentemente, desestabilizar reputações.

Essa é uma questão que se insere no contexto da pós-verdade, em que, muitas vezes, preferimos acreditar nas narrativas que confirmam nossas próprias crenças. Um exemplo claro disso foi o gesto nazista de Musk durante a eleição norte-americana. Muitos se recusaram a ver a simbologia histórica no ato, tratando-o como uma simples provocação ou coincidência, ignorando, assim, o peso dos gestos e referências e contribuindo para a normalização dos discursos perigosos e antes impensáveis.

A desinformação, entretanto, é apenas uma das variáveis desse universo conturbado para o meio corporativo. Paralelamente, a pandemia de Covid-19 intensificou as crises empresariais e evidenciou um ambiente de instabilidade permanente. Assim surge o conceito de Permavucalution, cunhado pela The Economist, que combina os termos permacrise e VUCA (volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade) para descrever um cenário de instabilidade e transformação constantes.

Problemas de ordem econômica, conflitos geopolíticos globais e episódios climáticos extremos sempre testaram a resiliência corporativa. As empresas que preservam sua reputação mesmo diante dessas turbulências são aquelas que se adaptam com agilidade e constroem confiança por meio de transparência e autenticidade.

O relatório Global RepTrak 100, elaborado pela The RepTrak Company, exemplifica isso ao destacar instituições que, por meio de ações consistentes e não apenas de palavras, reinventam sua imagem e consolidam sua posição no mercado. Segundo Mark Sonders, CEO da RepTrak, líderes como Grupo Lego, Rolls-Royce, Rolex, Harley-Davidson e Grupo Bosch demonstram que uma reputação sólida permite superar as crises contemporâneas.

Em um mundo hiperconectado, destaca o relatório, não se trata de saber evitar as crises, mas sim como navegar por elas com consistência, clareza e engajamento. As empresas não estão isentas de notícias ruins, mas construíram um legado forte o suficiente para superá-las, provando que a reputação não é apenas um reflexo do presente, é um ativo que, quando gerenciado efetivamente, pode resistir ao teste do tempo.

Para manter esse legado intacto em meio a um fluxo informacional volátil e frequentemente contaminado por boatos e as ditas fake news, elas precisam investir de forma contínua em transparência, escuta ativa, mostrando coerência entre discurso e prática, zelando pela integridade da informação e pela preservação de sua reputação.
Na era da pós-verdade, cabe a todos – empresas, veículos de comunicação, reguladores e cidadãos – contribuir para um ecossistema informacional mais saudável. Desenvolver letramento e senso crítico vai ajudar a avaliar a veracidade dos conteúdos que consumimos, compartilhamos e comentamos.

Enquanto não somos capazes de impedir a criação de realidades paralelas nem o fabrico de notícias falsas, há muito o que fazer quando nos permitimos ir além de apenas desqualificar o lado oposto do debate. Cada um de nós pode ser um agente de mudança, promovendo um mundo onde a verdade seja um pilar inabalável da convivência digital e real.