Governança conectada e o impacto das assembleias digitais no mundo empresarial
O cenário global atual está se inclinando para uma modernização dos processos empresariais, impulsionado pela transformação digital.
Adriana Esper, sócia da área de Corporate Finance da SiqueiraCastro, e Eduardo Sanchez, advogado do setor, explicam como a transformação digital tem impactado a realização das Assembleias de Sócios. (Foto: Divulgação/SiqueiraCastro)
A Assembleia de Sócios é considerada uma das instâncias mais importantes da governança corporativa de uma sociedade, independentemente de seu tipo. Nela os sócios com poder de voto podem discutir e tomar decisões sobre a empresa, impactando diretamente o futuro dos negócios.
Especificamente na realização das Assembleias Gerais das sociedades anônimas, a aprovação de matérias em deliberação deve observar uma série de regras impostas pela lei e pelos Estatutos Sociais que as regem. Por exemplo, a nossa Lei das S/As[1] estabelece quóruns mínimos de presença para instalação da Assembleia como também para as deliberações a serem tomadas pelos acionistas[2], o que pode implicar no adiamento de decisões a depender do número de acionistas presentes.
Este é um problema frequentemente enfrentado pelas sociedades anônimas de capital aberto, principalmente as de capital pulverizado. Nos Estados Unidos, inclusive, algumas empresas, para garantir a participação dos acionistas, chegam a incluir no seu conclave anual atrativos como shows e eventos artísticos. Obviamente, a realidade da maioria das empresas, incluindo as brasileiras, é menos exuberante no tocante às iniciativas de geração de atratividade às assembleias, Nesse sentido, alternativas envolvendo mecanismos normativos para tratar dessa questão se efetivaram a partir do advento de novas tecnologias digitais que viabilizaram a melhoria da comunicação remota. O Estado de Delaware, nos Estados Unidos, desde o ano 2000, é um exemplo de vanguarda na adoção de soluções tecnológicas para a viabilização de assembleias gerais utilizando meios eletrônicos[3].
Na mesma linha de encaminhamentos, a lei brasileira das S/As, passou a permitir, a partir de 2011, que acionistas de companhias abertas pudessem participar e votar à distância em assembleia geral[4]. A Comissão de Valores Mobiliários - CVM, através da Instrução CVM 561, regulou em 2015 o voto à distância exercido por meio do envio do Boletim de Voto a Distância (BVD). Mas o problema ainda não estava resolvido. Havia muita discussão se sociedades anônimas de capital fechado e sociedades de outra natureza jurídica também poderiam adotar esse procedimento.
A pandemia da COVID-19 estabeleceu um novo cenário que exigiu a implementação de mudanças significativas para garantir a continuidade das atividades corporativas. A Lei nº 14.030/2020 autorizou a realização de assembleias digitais, permitindo a participação e a votação remota de acionistas, inclusive em sociedades de capital fechado. Além das sociedades por ações, referida norma também abrangeu sociedades limitadas, cooperativas e entidades do terceiro setor, possibilitando a realização de reuniões e assembleias em formato digital e voto a distância.
Em 2020 a CVM[5] e o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI)[6] regulamentaram a participação e votação à distância em assembleais gerais. Como o direito precisa acompanhar a tecnologia, os normativos têm sido esporadicamente revistos de forma a adequar o mercado às novas ferramentas tecnológicas, como é o caso da Resolução CVM 204, que entrou em vigor em janeiro de 2025.
Por conta desse conjunto de mudanças, atualmente as Assembleias Gerais no Brasil podem se organizar basicamente em três formatos: (i) tradicional, quando realizada de maneira exclusivamente presencial; (ii) digital, quando realizada integralmente à distância, valendo-se de ferramentas tecnológicas; e (iii) híbrida, quando combinam-se características pertinentes às assembleias tradicionais com elementos aplicados às assembleias digitais.
Nesse campo de modernização, as tecnologias digitais, como plataformas de videoconferência e sistemas de votação eletrônica, ao final tornaram as assembleias mais acessíveis, exigindo, contudo, a sua realização em conformidade com a legislação em vigor, de forma a garantir que as suas deliberações tenham validade jurídica e não sejam objeto de questionamentos e disputas judiciais.
O avanço da tecnologia, aliado às demandas por transparência e eficiência, fazem com que as assembleias digitais sejam vistas não apenas como uma necessidade pontual, mas sobretudo como uma evolução natural da governança corporativa. Nesse contexto de governança, recomenda-se que sejam implementadas normas de boas práticas para trazer maior segurança a estes conclaves da era digital, tais como: (i) avaliação constante das mudanças tecnológicas; (ii) garantia de acesso a todos os participantes da assembleia; (iii) definição e aplicação de normas de conduta, considerando diretrizes de tempo razoáveis e direcionamento de perguntas que não façam parte da ordem do dia; (iv) garantia de que os acionistas tenham acesso aos membros da administração; (v) acessibilidade a suporte técnico.
Apesar de suas vantagens, a adoção das assembleias digitais apresenta desafios que precisam ser superados, entre eles a segurança cibernética e a proteção contra fraudes, incluindo riscos de vazamento de informações e de manipulação de votos. A implementação de tecnologias robustas, como blockchain, inteligência artificial e autenticação biométrica, tende a mitigar riscos, garantir maior confiabilidade e trazer mais interação no processo decisório.
O cenário global atual está se inclinando para uma modernização contínua dos processos empresariais, impulsionado pela transformação digital e pela adoção crescente de modelos híbridos ou totalmente virtuais. Empresas que investirem em soluções tecnológicas seguras e aderentes à legislação vigente poderão obter uma vantagem competitiva, proporcionando maior transparência e acessibilidade aos acionistas através de deliberações digitais.
O futuro já chegou – você já se deu conta disso?
[1] Lei 6.404/76
[2] Arts. 125 e 129 da Lei das S/As
[3] Delaware Code, Title 8, Chapter 1, § 211
[4] Lei 12.431/11, art. 6º
[5] Norma atual em vigor: Resolução CVM 81/22
[6] Norma atual em vigor: Instrução Normativa DREI 81/20