Oskar Metsavaht: 'luxo é ser ético'
Artista, médico, fundador e diretor criativo da Osklen e embaixador da Unesco, Oskar Metsavaht foi voz precursora no país em defesa do desenvolvimento sustentável e diz que o milênio está começando de fato agora e que vivemos a era da neorenascença.
Artista, médico, fundador e diretor criativo da Osklen e embaixador da Unesco, Oskar Oskar Metsavaht.
Oskar Metsavaht se diz uma pessoa que passa boa parte do seu tempo imaginando. “Desde pequeno sou assim. Ensino meus filhos a imaginar, além de quem trabalha comigo”, diz. “A gente tem que ter tempo para pensar. Sempre tive essa sensibilidade de artista.” A conversa de quase três horas pela plataforma Zoom não pareceu ter durado tanto. O caminho da sua imaginação é envolvente, assim como a trajetória multifacetada. Desses momentos imaginativos ao longo de sua história, surgiu o primeiro casaco que ele desen volveu para uma expedição ao Aconcágua, na Cordilheira dos Andes. Usou seus conhecimen tos científicos de anatomia e biofísica quando ainda exercia a medicina, como ortopedista no Rio de Janeiro até os anos 90.
Graças a sua visão integrada e à atenção ao meio ambiente, vieram, no fim dos anos 90, as t-shirts de algodão orgânico, então uma novidade no Brasil lançada pela Osklen, marca fundada por ele em 1989, em uma loja em Búzios. Naquela fase, seu desejo era mesclar experiências, arte, fotografias de expe dições, e suas criações em forma de casacos ou camisetas. O negócio cresceu e é o que é hoje. Não demorou para a marca lançar a malha desenvolvida a partir de fibras de garrafas PET recicladas, o couro do pirarucu, entre outras histórias e credenciais que lhe conferiram o título de embaixador da Unesco.
“Desenvolvemos e fomentamos o desenvolvimento de materiais. Fui junto com técnicos ver como seria retirada a pele do pirarucu, que só consumiam a carne e jogavam o couro fora”, conta. Recentemente, a marca lançou o tênis AG (Amazon Guardian), que contempla sete cadeias de matérias-prima sustentáveis e-fabrics, como látex natural da Amazônia, couro bovino certificado e resíduos reaproveitados.
“O mindset da sociedade já mudou. E se mudou, nós vamos colocar em prática”
Integrado à economia da floresta em pé, o projeto contribui com comunidades e povos indígenas. Quando pouca gente falava sobre sustentabilidade, ele já era uma voz sobre o tema. “Hoje acho que virei um grande advisor do pensamento estratégico em sustentabilidade”, define-se. Oskar gosta de contar da etimologia dos Metsavath, sobrenome de seu avô, que nasceu na Estônia. Significa “guardião da floresta”. “Ouvi na Estônia que temos que nos orgulhar do nosso sobrenome, pois graças aos Metsavaht, esse é o país na Europa com maior área de florestas milenares”, conta. A genealogia e os laços ecofamiliares também incluem a amizade do avô estoniano com José Lutzenberger, considerado um dos maiores ecologistas brasileiros.
Nos anos 90, uma expedição à Amazônia acompanhando biólogos fortaleceu sua veia de ativista ambiental, assim como o envolvimento com a Rio-92, a participação na Rio+ 20, além da proximidade com o canadense Maurice Strong, secretário-geral da Rio 92 e um dos grandes nomes do desenvolvimento sustentável. Sua compreensão sobre o tema se expandiu e agregou bom senso: “Faço essa crítica na ONU: Tínhamos tantas regras que a gente acabou excluindo quem queria começar nem que fosse com 1% sustentável”.
Gaúcho, Oskar nasceu em uma família de intelectuais. O pai, médico, e a mãe, filósofa, ajudaram a fundar, respectivamente, a faculdade de medicina e a faculdade de filosofia e artes da Universidade de Caxias do Sul. Ele diz que já se sentia artista antes de tornar-se médico ortopedista e ser chamado de “mão santa” por senhorinhas pacientes que atendia nos plantões do hospital público em que trabalhava no Rio de Janeiro. Medicina, moda e arte têm muito em comum, em sua visão. Em agosto, chega às lojas da Osklen a nova coleção verão 2022, produzida durante a pandemia, quando ele releu um dos livros de James Lovelock, criador da Hipótese de Gaia (o planeta é um organismo vivo, interdependente, e o desequilíbrio o ameaça).
Na coleção, Oskar vislumbra um novo ritmo da vida, uma nova onda. “Na Covid, compreendemos Gaia. O vírus colocou o planeta em perigo. Está na hora de nós, sociedade, nos curarmos. A sociedade e o planeta vão entrar numa outra onda”, diz. Sua imaginação segue em ritmo alucinante. Como artista, Oskar fará em setembro uma exposição no MAC (Museu de Arte Contemporânea), em Niterói. Pelo seu Instituto-E, lançará um app para ajudar costureiras. E, no fim do ano, estreia o curta “Firebird”, no qual a obra de Stravinski é interpretada pelo bailarino Thiago Soares.
No começo desta entrevista à Robb Report Brasil, lembrei que havíamos nos cruzado em um dos últimos lampejos de aglomeração permitida antes do mundo fechar, no sambódromo carioca, no Carnaval de 2020. Ele emendou que nos vimos tempos antes em um saguão de aeroporto. A memória me remeteu para 11 anos atrás, quando ocasionalmente sentamos lado a lado em um avião da ponte-aérea Rio-São Paulo, pouco depois de um grande incêndio na fábrica da Osklen.
Oskar Metsavavaht foi voz precursora no país em defesa do desenvolvimento sustentável.
O acidente gerou a coleção Fênix, fruto do seu espírito imaginativo e otimista ao descobrir “fósseis de tecidos debaixo das cinzas” enquanto inspecionava todo o estrago feito pelas chamas. À época, perguntei sobre a destruição enquanto decolávamos. Esperava ouvir um lamento. Mas, para minha surpresa, Oskar virou-se e, com olhos sinceros e ares de desabafo, disse ter sido um alívio. “O incêndio nos custou muitas perdas, mas já havia acontecido. Eu estava numa fase que pedia mudanças e senti um alívio como se tivesse limpado uma mesa de trabalho”, ele relembra, contando que a fábrica destruída foi ocupada por “uma expedição arqueológica” junto com sua equipe, mais a sua máquina fotográfica, para criar a nova coleção.
A Covid-19, apesar de toda a tragédia, não lhe roubou o mesmo olhar otimista. “A crise de saúde, fruto de desequilíbrios, é a teoria de Gaia sendo comprovada de forma bastante aguda para nós, cidadãos do planeta”, diz ele, convidado para ir a Glasgow para a COP26. “Isso acelerou a urgência da sustentabilidade. Vem um novo mundo.”
Como você avalia a aceleração que a pandemia provocou para uma virada sustentável?
O milênio está começando de fato agora. O milênio não começou no ano 2001 porque tivemos o ataque às torres gêmeas. Acho que isso atrasou muito todo o processo. E depois veio a crise econômica de 2008. A crise da Covid é a teoria de Gaia sendo comprovada de uma forma bastante aguda para nós, cidadãos do planeta. A Covid nos fez ver o quão vulneráveis nós somos e o quanto podemos ser danosos. O século 21 começa agora. E, se você pensar, o século passado começou pra valer ali pelos anos 20, depois da Primeira Guerra Mundial. Até as manifestações artísti cas, o modernismo, o feminismo vieram depois dos anos 1920. Estamos vivendo um neo-renascimento. Vivemos o iluminismo da renascença,estamos tendo revoluções muito parecidas. A síntese da renascença é que nós nos tornamos mais humanos. Esse pensamento nos levou à revolução industrial, ao pensamento científico mas também nos leva hoje a um ciclo de destruição do planeta. Estamos saindo de 200 anos de uma revolução industrial, com todas as suas vantagens e desvantagens. Estamos vivendo muito mais e há mais pessoas no planeta. Ao mesmo tempo isso foi levando a um decréscimo da vida na questão ambiental. Nós, humanos, estamos matando o planeta. De uma forma mais ampla, não acho que vamos mudar muito como humanos. Já havia uma tendência da mudança de comportamento de consumo, de consumir menos e com mais consciência. Essa geração mais nova está vindo. Eu sou um cara otimista. É uma honra estar vivendo essa linha civilizatória humana no planeta. Nós estamos vivendo e sendo protagonistas de uma transição para um novo sistema. Vem um novo mundo. O futuro deve ser belo. Estamosvivendo um dos mais lindos momentos da aventura humana e dá para a gente vislumbrar como será o futuro. Eu me considero um renascentista.
Como você enxerga esse novo tempo?
O mindset da sociedade mudou. Se nós estamos falando disso agora é porque já mudou. Se mudou, a gente vai colocar em prática. A Covid acelerou. Essa geração que mistura filosofia, arte e ciência, também une tecnologias com compartilhamentos e colaborações. É claro que estamos falando de algumas classes sociais. As camadas mais pobres ainda não conseguem absorver o custo do desenvolvimento sustentável. Por isso nós, sociedade mais informada e que tem mais poder aquisitivo, temos que mudar nossos hábitos de consumo. A gente não tem que ter todas as peças da coleção daquele ano. Não precisamos ter todos os vinhos do mundo. As peças e produtos de origem sustentável devem ser mais consumidas. Temos que formar a nova sociedade de consumo. Tem que entrar na nossa memória: isso aqui é sustentável? É original? A sociedade tem que entender o que é o novo luxo, o novo cool. A palavra propósito ainda não estimula muito. As pessoas devem comprar pelo valor intrínseco, pelo que é em si.
E o que virá?
Essa geração tem essa multidisciplinaridade. Os jovens fazem de tudo. Brinco que é um misto de Dexter e Leonardo da Vinci. Esse pensamento é próximo do renascentista: unir arte, ciência e filosofia. É também importante entender o conceito de desenvolvimento sustentável. Podemos mudar os recursos naturais para o desenvolvimento econômico? Ou deixamos-o iguais como o encontramos ou melhores para as gerações futuras? Há 30 anos, a Rio-92 sai do utópico para o real com o conceito de desenvolvimento susten tável. Pelo Protocolo de Kyoto, existem empresas que têm débitos com o planeta, as poluidoras. E há empresas que têm crédito e favorecem o desenvolvimento sustentável e a natureza. Por isso, o sistema financeiro criou os créditos de carbono, padrão para uma moeda. Ser 100% sustentável é difícil. Podemos usar os recursos naturais para o desenvolvimento econômico na linha ASAP, As Sustainable As Possible e As Soon As Possible (“O mais sustentável possível” e “o quanto antes”).
Como esse pensamento global direcionado ao meioambiente entrou na sua vida?
Há fatores de ordem familiar e educacional. A família por parte de mãe, italianos que vieram de Milão, era toda de artistas plásticos e músicos. Nasci nos anos 60, filho de dois acadêmicos e intelectuais. O meu pai sempre teve uma relação com a natureza e a prática de esportes. Tivemos uma educação orientada, meu pai nos ensinou a nos orientar pelo sol ao caminhar por florestas, campos, coisa de gaúcho e de surfista. Ele era médico e foi um dos primeiros surfistas do sul, com aqueles pranchões. Nos anos 70, meu pai tinha uma horta para não ter agrotóxicos e leu para mim o livro Blue Sugar (1975). Depois, trabalhei como médico. Fiz residência em Paris e voltei. Fui ortopedista pela universidade federal do Rio de Janeiro. A medicina te dá uma sensibilidade, né? Ao trabalhar em hospitais públicos, o médico jovem enfrenta o borderline da miséria, da realidade do sistema público. À vezes você precisa explicar que aquilo que o paciente tem é falta de uma alimentação boa e de condições sanitárias. Fiz vários partos. Fazer uma criança nascer, salvar vidas, ou explicar a familiares que aquela pessoa faleceu ali nas suas mãos na emergência... Vivi isso com 23, 25 anos... essas coisas criam um espírito humano forte.
E como virou a chave da medicina para a moda?
A medicina é um conhecimento que se absorve para o resto da vida. A Osklen começou em 1989. O primeiro casaco que eu fiz foi em 1986, em uma expedição em que eu fui ao Aconcágua como médico e alpinista. Criei um casaco que era o meu número, uma roupa toda técnica, de altíssimo padrão. Imagina, feito fundo de quintal no Brasil para ser usado em alta montanha, a 30 graus abaixo de zero, durante 30 dias. Quando voltei de Paris, amigos pediam para fazer o casaco. Daí surge a ideia de abrir a marca, uma lojinha em Búzios. Era uma aventura. Eu nunca havia estudado administração, negócios, comércio. Sou de família de acadêmicos. A Osklen abre em 1989 e eu só fui deixar de trabalhar como médico em 1997, há 25 anos. Perguntam: como é que um médico vira designer de moda? Não é nada distante. Qual é o profissional que mais entende de corpo humano? O médico. E o que é moda? Moda para mim é uma camada física que cobre o corpo, tanto que falamos em segunda pele. O meu trabalho é a relação do corpo humano com o meio em que o humano vive e com ele mesmo. A roupa, quando não tem o objetivo de comunicação e cultural sobre ela, é só uma camada física
sobre a pele. Moda não é fazer roupa, é criar uma camada cultural sobre o corpo. Moda é a nossa relação imagética com a sociedade, com os outros e conosco. É a nossa expressão individual e a nossa relação com a coletividade. Tem outros aspectos: o conhecimento, a experiência, o talento estético, a cultura, um nível de sensibilidade artística e de observação do comportamento. Moda é protago
nista de mudança de uma sociedade tanto quanto o cinema, a literatura, as artes, a arquitetura. Daí se transforma em design e num projeto comercial. Meu trabalho flui assim.
E onde entra a sustentabilidade?
Falo para os meus filhos, que têm esse coisa de orgulho de ser guardião da floresta, que vem do meu avô na Estônia. Mas, objetivamente, essa relação nasce com a Rio-92, quando foi cunhada a expressão e o pensamento de desenvolvimento sustentável. Logo depois, em 1994, fiz minha primeira expedição à Amazônia. Não tem como sair dessa experiência sem compreender o que está em questão e sem se tornar ativista. Naquela época, era uma ideologia um pouco ingênua. Quando se chegava ao ponto da questão econômica, a gente via que não era viável. A preservação planetária era utópica. Você era um romântico que levantava cartazes e enfrentava toda a revolução industrial e econômica. Em 1992 isso é icônico. O canadense Maurice Strong (1929-2015) era o secretário-geral da Rio92 e cunhou esse pensamento, junto com um grupo de pensadores. Nós nos conhecemos na Rio + 20, em 2012. Nos tornamos amigos e ele se tornou meu tutor até a sua morte, há seis anos.
Como se insere o novo luxo, que você já falava há tempos, no contexto desse novo tempo?
Fala-se que exclusividade é luxo, brilho é luxo, o preco mais alto é luxo. Essas coisas levam a um status que, para mim, não são nobres. São esnobes. O termo esnobe vem de ex-nobres. Luxo vem da palavra lux, que é luz. Luz da criação, do pensamento. Participei do grupo que cunhou o termo novo luxo. Não que já não existisse, mas foi um grupo do IED (Instituto Europeo di Design), em Milão, que cunhou o termo. O valor mais nobre do espírito humano é ajudar o próximo. Isso é nobreza: dedicar-se ao outro. Dedicar-se no tempo, no talento, na pesquisa, no nosso bom gosto e expertise, fazendo um serviço como se fosse para si. Quando há isso, aquele produto ou serviço torna-se sofisticado. Mas estou falando de palavras que a gente torce o nariz. Sofisticação é igual a luxo. Espírito nobre é igual a luxo. O luxo só acontece quando aquele produto ou serviço foi feito com dedicação. Por isso o luxo deve ser ético, porque vem de valores nobres.