Ivan Lins: 'Acredito na música e na arte como caminhos para expressar a beleza humana e encantar as pessoas'

Aos 77 anos, cantor, compositor e multi-instrumentista demonstra seu lado criativo, fala sobre os rumos da MPB com a inserção de tecnologia à sonoridade, além de descrever as nuances de seu estilo singular de encantar o público.

thumbs-ivanO multi-instrumentista Ivan Lins revela seus tesouros escondidos, músicas que devem ser lançadas ao longo deste ano.

As bodas douradas de Ivan Lins com a música chegaram, finalmente, aos 50 anos de carreira com os diversos sucessos gravados por importantes artistas do Brasil e do cenário internacional. Fatos que, quando descortinados, fazem dessa longa linha do tempo uma celebração primorosa por meio de canções escritas pelo compositor e multi-instrumentista carioca - muitas delas em parceria com o também compositor Vitor Martins -, e que estiveram no repertório de grandes intérpretes brasileiros, como Elis Regina, Emílio Santiago, Zizi Possi, Gal Costa e Simone.

Com seu jeito singular de compor, Ivan hoje é lembrado como um dos músicos brasileiros mais gravados no exterior, tendo sido, em grande parte, o produtor americano Quincy Jones - apresentado por intermédio do percussionista Paulinho da Costa -, responsável por projetar esta exportação de canções a partir de "Dinorah Dinorah”, que passou por mudanças em seu arranjo e foi incorporada à voz e a guitarra de George Benson, gravação que levou em 1981 o prêmio Grammy de melhor arranjo instrumental de jazz.

Em diversas entrevistas, o músico carioca lembra dessa fase, que por pouco não o levou a ter a música "Novo Tempo" incluída no disco "Thriller", de Michael Jackson. Entretanto, a parceria foi dissolvida antes do projeto se tornar realidade, devido a divergências contratuais. Tal história, mesmo que registrada, pode ser considerada uma página virada na jornada do músico, que já nos anos 1970 dispontava como um dos grandes representantes da nossa música.

Além de Benson, o mundo inspira e transpira Ivan Lins nas regravações de nomes do cenário musical internacional, como a "primeira-dama" do jazz, Ella Fitzgerald, além de Barbra Streisand, Nancy Wilson e Sarah Vaughan.

Ivan Lins participará de show em homenagem ao lendário Quincy Jones |  Ancelmo - O GloboAo lado do produtor musical Quincy Jones.

Desde o início da carreira, o cantor, compositor, pianista, consagrou-se como mestre das inovações, tornando-se um dos expoentes da Música Popular Brasileira (MPB). A trajetória de sucessos é relembrada pelo próprio músico, quem também descreve o porquê de seu jeito tão característico de compor ser lembrado como algo inigualável:

"Considero minha música como única, específica, com a minha cara. E eu toco canções, cujo público aderiu para si, apreciou e compartilhou carinhosamente comigo e com outras pessoas. Sou muito grato por isso", comenta.

Após um período de incertezas, inclusive pela distância dos palcos e do público ocasionada pela pandemia, Ivan traz à plateia para próximo e reforça que está em plena atividade com sua inquietude criativa aos 77 anos. Recentemente, o cantor e compositor participou do Robb Report Day, e concedeu uma entrevista exclusiva. Confira a seguir, os principais trechos da conversa.

RR BRASIL -  Após um período distante dos palcos - devido à pandemia -, esta ausência tem sido compensada também com shows mais intimistas. Qual é a sensação de se apresentar neste formato, com mais proximidade do público?

IVAN LINS - Para mim, é agradável cantar para as pessoas de uma maneira mais íntima e despojada, vendo aquele semblante de conforto. O público normalmente é também bem receptivo. Posso dizer que já estive do outro lado, pois já assisti a espetáculos nesse formato, um deles foi nos EUA. Mas há outros mais, consigo me lembrar de alguns que haviam mais público, espetáculos realizados em locais diversos, como vinhedos, vinícolas, algo comum lá fora. Mas, geralmente com sofá, puffs, locais onde as pessoas levam suas próprias cadeirinhas, fazem seus próprios pequeniques... É bem interessante.

E o repertório é pensando para este tipo de público 'mais chegado', por assim dizer?

Modifico pouca coisa no setlist. É possível cantar músicas, talvez, de maneira mais lenta, o mais líricas, algo que você faz em praça pública, por exemplo

Mudam-se os arranjos e parte técnica então?

Os arranjos não mudam muito. Não gosto de mudar, por uma questão pessoal. É mais provável que eu transforme o formato de uma canção. Por exemplo, têm shows mais intimistas, no qual faço versões com duo, com trio, solo, isso dependendo do projeto que quero apresentar. Mas prefiro me apresentar o mais à vontade possível e transparecer isso ao meu público. É sempre agradável manter isso. E o grande barato e prazer é tocar e cantar, mostrar minhas músicas, "entrar" dentro do universo delas, depois, compartilhar essa emoção com o público. Porque música a gente faz para compartilhar e não para guardar em casa. Isso é fato. 

Você falou sobre guardar, existe algum tesouro seu que não conhecemos, pois ainda está guardado em algum lugar intangível?

Existem sim e nossa... é muita coisa! Eu posso adiantar que tenho um cofre de pérolas em casa. Há muito que ser lançado. Mas esse processo de lançamento vai ser feito devagar, aos poucos, a começar por este ano. Há composições feitas no período da pandemia ainda.

A pandemia mudou seu ritmo de trabalho?

Bastante. Mas, antes dessa fase, tinha muita coisa já gravada. Recapitulando, em termos de quantidade, posso dizer que tenho músicas em excesso. Acho que não vou dar conta de mostrar tudo, provavelmente não neste ano, porque é realmente muita coisa. Além disso, são projetos que de antemão foram planejados já na minha cabeça, porque eu realmente nesse ponto me considero incansável, mantendo a intenção de ir apresentando coisas novas. Posso adiantar que virão mensagens bonitas e positivas. Muito porque, meu compromisso é com a beleza, e eu gosto de encantar as pessoas por meio da minha música.

Elis Regina & Ivan Lins | Música brasileira, Cantores, MpbIvan ao lado de Elis Regina, que gravou as canções antológicas 'Madalena' e 'Cartomante'.

Você disse que a arte é "uma expressão de sentimento", pergunto então quais manifestações artísticas estão presentes na sua música e como mensurá-las num grau de importância?

A manifestação que se faz presente é pela fotografia, pois considero minha música como algo muito visual. Por vezes, também imagino haver uma orquestra de cordas por trás, dando um certo apoio ao que componho. Isso tudo está muito ligado à sonoridade do encanamento, coisas de momento e que ficam, às vezes, até com elementos considerados muitos simples, mas que possuem nuances bonitas. A palavra encantamento é muito importante nesse sentido, pois gosto de fazer coisas que são bonitas. E meu compromisso com a beleza visual é também pelo interior das pessoas, na beleza de toda a ordem. Trocando em miúdos, eu acredito muito na beleza interior do ser humano e sou um observador dela.

Sobre músicos e musicistas da nova geração da MPB, você poderia algum que na sua opinião possui um futuro promissor, como timoneiros dos novos rumos da nossa música? 

Tem uma geração de gente boa e grande vindo por aí. Evidentemente, essas novas figuras, vêm com outra bagagem de inspirações e informações, coisas que não são as mesmas que recebi na minha época. As influências hoje já são mais diversificadas e modernas, mas a sensibilidade é que manda. E aí é onde está o que conceito de beleza que comentei. Acredito na música e na arte como caminhos para expressar a beleza humana e para encantar as pessoas. Pegando essa linha de raciocínio, acho que a música cura e salva, proporcionando coisas que até Deus duvida, numa ação que vai se perpetuando. E do que eu tenho visto e acompanhado deste renovado cenário, está o compositor, natural da cidade de Americana (SP), chamado Gustavo Spíndola. Esse menino, penso que se ele tivesse aparecido na minha época, ele seria hoje uma espécie de Chico Buarque, pois seria um grande compositor e artista pelo que ele representa. O rapaz canta bem, toca bem e escreve muito bem. É possível notar uma certa modernidade no trabalho dele, algo que foi incorporado através do contato com as novas tecnologias.

Além do Spíndola, tem uma menina de 14 anos, que, olha, ela vai dar um trabalho danado, ou melhor, já está dando trabalho no bom sentido de fazer música (risos). Pensando na passagem do tempo, o timbre de voz dela vai mudar, isso é dado como certo e, nesse aspecto, eu acho que ela vai se tornar uma das maiores cantoras deste país, que é a Analu Sampaio, nascida no inteior da Bahia, mas que mora atualmente em São Paulo. A jovem já começou a fazer concertos. Foram nomes nos quais conheci por meio do engajamento com a internet, ambiente onde se alguém não te disser que tem alguém de talento notável, será difícil você acertar (encontrar o algoritimo ideal). Mas tem mais gente talentosa aparecendo, nos quais estenderiam essa lista. Músicos, compositores e produtores que possuem projetos muitos bons, trazendo novidades. Particularmente, eu gosto bastante de tecnologia, apesar que venho de trabalhos com sonoridade acústica, e que eu obviamente adoro, mas até mesmo o acústico pode ficar mais interessante,  quando se mistura à tecnologia e daí que fica uma coisa fantástica. E esta é mais uma das várias formas de você inovar. E eu me considero uma pessoa muito criativa, saio atrás de fontes para alavancar mais e mais minha criatividade e a tecnologia veio numa hora muito boa para agregar a essa expertise.

Em um show para um público seleto, num formato especialmente intimista, quais surpresas as pessoas podem esperar daqui para frente?

O público pode esperar o Ivan Lins de sempre. Sem titubear, eu chamo a minha música de "Ivan Lins", porque é uma coisa única e que construí para compartilhar com meu público, pois tem uma característica específica, tem a minha cara na sonoridade. Considero que toco canções que o público realmente "aderiu", adotou para si e para seus momentos em particular, e que depois compartilharam carinhosamente esses momentos comigo vindo as minhas apresentações. São canções que eu gosto de cantar mesmo e dividir esse amor com meu público.

Paradoxalmente, o que eu realmente não gosto é de me sentir sozinho diante de várias pessoas. É muito chato tocar uma composição e perceber que as pessoas não estão "entrando na música" e a ignoram, isso é frustrante. Eu gosto de cantar e sentir a energia das pessoas presentes, saber o feedback do público. Então, já vou preparado para fazer um show bastante bonito, com diferenciais, mas contendo as canções que o público elegeu como preferidas, por quaisquer razões. Indexando e, ao mesmo tempo, garimpando as gravações, tenho mais de 700 músicas com títulos diferentes gravadas no mundo inteiro. Dessas composições, sempre tem aquelas que ficam condicionadas nos finais dos discos - o que chamamos de "Lado B" - e essas canções são recuperadas no repertório para surpreender o público, de vez em quando, e hoje em dia, pretendo cantar algumas delas ao longo de minhas turnês. É até bacana observar a recepção das pessoas, principalmente porque muita gente pensa que são obras inéditas. Quando não são. Mas são músicas que têm tudo a ver com meu estilo de tocar e de compor, e que simbolizam as mensagens eu quero passar, principalmente nos dias de hoje, para as pessoas que se fazem presente, olhando no olho e sendo um espectador da minha carreira de inovações.

 

Ivan Lins - arquivoDurante apresentação no Programa Especial JB na Rádio e Jornal.

Mais fatos sobre Ivan Lins

  • O sucesso do multi-instrumentista veio após a conquista do segundo lugar no 5º Festival Internacional da Canção, em 1970, com a música: "O Amor é Meu País", composição de Ivan com Ronaldo Monteiro de Souza. Naquele mesmo ano, "Madalena" virava o hit do momento, na voz de Elis Regina - um dos grandes divisores de águas para alavancar vários outros projetos. Da parceria com Elis anos depois veio a gravação de  "Cartomante" - composição de Ivan Lins com Vitor Martins, com versos que tecem críticas ao período da ditadura militar naquela época.
  • Anos depois, suas canções fizeram sucesso internacionalmente e também são lembradas até hoje em trilhas de novelas, dentre elas estão: "Roque Santeiro" ("Vieste"), "Direito de Amar, (Iluminados) "História de Amor" ("Lembra de Mim").

  • Em 2005 , recebeu o Grammy Latino na categoria "Melhor Álbum do Ano", sendo o primeiro e único / cantor e compositor de língua portuguesa a conseguir tal reconhecimento.