Sig Bergamin conquista a Assouline e entra no panteão do design mundial

Dos improvisos elegantes às casas mais desejadas do planeta, Sig Bergamin revela a essência de um luxo cheio de humor, cor e autenticidade.

Sig Bergamin
Sig Bergamin, uma das maiores referências do design de interiores no Brasil e no mundo.

A infância em Mirassol (SP) para as noites lendárias de Nova York ao lado de celebridades como Basquiat, nos efervescentes anos 1980, Sig Bergamin teve um percurso pra lá de cinematográfico, como poucas pessoas têm. Da primeira criação, seu quarto na casa dos pais, aos projetos de algumas das residências mais espetaculares do planeta, o arquiteto transforma o comum em extraordinário.

Com uma celebração vibrante de cores, texturas e referências culturais, Sig tornou-se um dos nomes mais desejados da arquitetura de interiores. Sua trajetória de quase 50 anos é marcada por uma parceria criativa e amorosa com Murilo Lomas, com quem está casado há 10 anos. Homenageado especial do RR Design Awards, ele celebra “Eclectic”, seu sétimo livro e o terceiro pela editora francesa Assouline.

Com 300 páginas, a obra confirma o lugar de Sig no panteão dos criadores que moldam espaços com alma. O único outro brasileiro publicado pela Assouline foi Oscar Niemeyer (1907-2012). O livro coroa uma trajetória para além das fronteiras nacionais.

“Está circulando por 80 países, uma loucura! Recebo mensagens com fotos do livro em lugares que nunca imaginei. É emocionante”, comemora Sig, que na verdade chama-se José Antonio Bergamin.

Sig se deve ao bullyng que sofria na infância, pela língua presa. Ele penava para dizer o nome da pasta de dente Signal. Mas ele não se abalou e incorporou o apelido ao nome. E que nome. O Robb Report Design Awards este ano celebrou sua trajetória com uma homenagem especial.

O que representa esse reconhecimento para você?

É uma efeméride importante, sem dúvida. A cada ano o prêmio valoriza um nome que contribuiu de forma única para o design. No ano passado foi o Humberto Campana e agora fui eu! Uma honra. Receber esse tipo de carinho é sempre um sinal de que valeu a pena dedicar a vida a esse ofício.

A editora Assouline tem uma curadoria criteriosa e o seu último livro “Eclectic” foi lançado por ela. A edição traz uma diversidade de projetos. Isso é proposital?

Totalmente. Eu não acredito em um estilo único, fechado. Cada projeto nasce do cliente, não de mim. Tem gente que olha e diz: Ah, essa casa não parece sua. E eu respondo: Claro que não! Ela é da cliente. Isso, para mim, é o verdadeiro luxo: interpretar desejos e criar algo único para cada um.

Mesmo com essa pluralidade, há uma identidade visual sua que é muito marcante. Como você define seu estilo?

Talvez seja a mistura, o humor, o inesperado. Uso muita cor, sim, e talvez seja isso que chame a atenção lá fora. Os franceses, os americanos, são mais comedidos, e essa nossa tropicalidade alegre e vibrante seduz. Mas também tem pesquisa, tem arte, tem história. O livro reflete isso.

Você diz que cada casa tem que ter a cara de quem mora. Como você chega a esse resultado?

Entrevisto muito os clientes. Gosto de entender como vivem, o que comem, se gostam de beber, se têm cachorro, se acordam cedo. Cada detalhe importa. É quase uma terapia. Às vezes, no meio de uma conversa despretensiosa, descubro que a pessoa ama um hotel em Paris, por exemplo, e isso me dá pistas do estilo que a faz feliz.

Então o projeto começa com uma escuta profunda?

Sim, começa com escuta, observação e intuição. Eu gosto de visitar o lugar, sentir a luz, o entorno. Mas o essencial é entender como o cliente quer viver. Uma casa pode ser linda, mas se não tiver funcionalidade ou personalidade não serve para nada.

Você e o Murilo trabalham juntos. Como é essa parceria na prática?

É uma troca constante. Basta um olhar e o outro já entende. E isso vale para tudo: trabalho, viagens, vida. Temos gostos parecidos.

Vocês têm histórias deliciosas de improviso na decoração. Qual foi a mais inusitada?

Ah, teve uma que ficou lendária. Era Natal, estávamos indo para um apartamento recém-adquirido em Nova York e a construtora garantiu que estava tudo pronto. Chegamos lá e nada. Obra inacabada, sem móveis, sem nada. Mas já tínhamos convidados chegando! O que fiz? Fui até o depósito onde as pessoas deixam móveis para doação e caixas e lá estavam as embalagens dos eletrodomésticos do nosso apartamento.

Peguei umas cadeiras velhas, joguei alguns tecidos que sempre tenho na mala por cima da caixa da geladeira e montei a sala. Apaguei as luzes, enchi de velas, coloquei flores e ficou um charme. Todo mundo achou que era proposital, estiloso.

Você tem um olhar treinado para encontrar preciosidades. Ainda sente aquele friozinho bom ao descobrir uma peça rara?

Eu adoro procurar coisas, fico o tempo todo atrás de peças, pesquisando, buscando, é uma maravilha. Isso é o cliente ideal: aquele que sente prazer em descobrir. Eu acho isso um triunfo.

Estava pensando aqui: por que o garimpo é tão bom? É porque envolve uma descoberta verdadeira. É como uma aventura encontrar algo em lugares que ninguém viu, ninguém descobriu. A graça está aí. Não é ir numa loja local ou em Londres atrás de um prato, mas tropeçar nele numa feirinha, numa rua escondida, num canto onde ninguém olhou. Esse é o prazer, a peça com história, com surpresa.

Jamais compro algo se for óbvio demais. Perde a graça. O bom mesmo é quando o olho bate e enxerga o que ninguém mais viu. É prática, é mágica, é experiência.

Você também se inspira com cinema e séries? O que tem te encantado ultimamente?

A série “The White Lotus”, por exemplo, é maravilhosa. Não só pela trama, mas pela direção de arte, as cores, a arquitetura, a ambientação. É uma aula.

Outro que me marcou foi “Conclave”, filme indicado ao Oscar deste ano que retrata o processo milenar para escolher um novo papa. Assisti na noite em que anunciaram a morte do papa Francisco. A paleta, os contrastes, o pink vibrante em meio aos tons escuros, aquilo é direção de arte no mais alto nível.

Essas referências visuais acabam entrando no seu trabalho?

Com certeza. Eu observo tudo. Um detalhe no cenário, o corte de uma cortina, a disposição dos objetos numa sala. E isso vai ficando comigo. Às vezes, num banho ou numa noite sem sono, essas ideias vêm. É criação off-hours.

Você veio de Mirassol para São Paulo ainda muito jovem. Como foi esse começo?

Vim sozinho, com 16 anos. Fiz cursinho, entrei na faculdade com 17. Fui morar numa pensão na rua Vergueiro, perto do Centro Cultural São Paulo, uma pensão bem caída, diga-se. Mas eu achava tudo mágico. Depois mudei para Santos, porque precisei trabalhar para bancar os estudos. Meu pai não tinha condições de me manter, então fui me virando.

Você trabalhou em arquitetura desde cedo?

Trabalhei de tudo um pouco. Escritório, vendas, projetos. Eu queria aprender, viver, experimentar. Teve um momento que consegui uma oportunidade em São Paulo, e isso me abriu portas. Nunca fui de esperar, sempre fui atrás. E essa prática me formou.

Você viveu os tempos áureos das noites no Gallery, em São Paulo, e no Studio 54, em Nova York. Que memórias guarda dessa fase?

Ah, foram anos incríveis. Era tudo muito livre, muito ousado. Tive contato com artistas de todos os gêneros, de todas as partes. Fiz amizade com Basquiat, que me deu uma camiseta pintada por ele, mas que acabou sendo lavada por engano, uma pena. Eu era muito jovem, tímido até, mas estava no lugar certo, na hora certa. Era uma efervescência de ideias, de gente, de arte.

E você chegou a morar em Nova York?

Sim, anos depois. Mas naquela época, eu ia muito, ficava em casas de amigos, dormia no sofá, inventava produções. Eu comprava tecidos, velas, montava a cena. Tudo era criação, até um jantar improvisado virava performance.

Você se envolveu também com arquitetura e arte durante sua passagem pelos Estados Unidos, certo?
Sim, meu primeiro projeto foi uma galeria. A ideia surgiu naturalmente, junto com amigos. Era arte misturada com design, com vida. A gente vivia tudo ao mesmo tempo: dia, noite, projeto, festa, exposição. Foi ali que tudo começou a ganhar forma.

Hoje, olhando para tudo isso, o que move você?

O olhar. O desejo de descobrir, de brincar com a estética. A curiosidade ainda me move. Eu continuo festeiro, mas com mais calma. E sigo observando tudo: uma flor, uma escultura, uma série, um detalhe da vida cotidiana. Isso é o que me alimenta.

O que é luxo para você?

É viver com verdade, com charme, com humor. É entrar numa casa e sentir quem mora ali. É receber os amigos com flores, velas e uma boa conversa. Luxo é saber improvisar com beleza.

Você tem artistas que admira especialmente hoje?

Adoro Márcia Falcão, Vik Muniz, Eliane Almeida. Gosto de Maxwell Alexandre, Zéh Palito, Wallace Pato. E sigo encantado com os clássicos. Mas gosto de descobrir. Minha curiosidade não se apaga.