Luiz Calainho retoma o Noites Cariocas, festival criado nos anos 1980, e diz que o resgate tem sentido emblemático
Nascido na Suíça e criado no Rio, Calainho atravessou profissionalmente esses dois anos com galhardia. E na sua mais recente aventura cultural, a retomada do festival Noites Cariocas, no morro da Urca, lavou a sua alma com a doce energia do Pão de Açúcar.
Luiz Calainho retoma o Noites Cariocas, festival criado nos anos 1980.
Luiz Calainho toma banho frio todo dia há 12 anos. Em um fim de semana em Angra dos Reis, decidiu que não esquentaria nunca mais a água do chuveiro. Medita, exercita-se, sono é prioridade na vida, ele ensina. “Tenho bons hábitos e, definitivamente, gosto muito de viver”, sorri o empresário e produtor cultural de 55 anos. Na conversa por chamada de vídeo, ele vira a tela para mostrar a vista exuberante da sua janela para o morro Dois Irmãos, no Rio de Janeiro.
“O ser humano em certo sentido, com essa empáfia que tem, se considera acima da natureza. Delírio total”, ele diz. “Não somos nós e a natureza. Nós somos a própria natureza.” Nascido na Suíça por acaso, criado no Rio, ele se considera carioca da gema e das noites. “Meus pais são cariocas. Sou carioca sem ter nascido no Brasil”, brinca.
Seu pai, já falecido e de quem ele herdou o nome, foi piloto de avião da Panair, da Swissair e da Varig. Filho da psicóloga Maria Helena Buono, a natureza de Calainho é realizar. A pandemia, além da tragédia de mais de 660 mil vidas perdidas no País, foi muito mais que uma ducha de água fria para a cultura e o entretenimento. O setor precisou se reinventar. Mas, como banho gelado não o assusta, Calainho atravessou profissionalmente esses dois anos com galhardia. E na sua mais recente aventura cultural, a retomada do festival Noites Cariocas, no morro da Urca, lavou a sua alma com a doce energia do Pão de Açúcar.
A temporada do Tim Music Noites Cariocas, em março e abril, teve aura de resgate histórico, direto do túnel do tempo. “É hora de renascer e nascer em um certo sentido”, diz. A reestreia teve Paralamas do Sucesso e Leo Jaime, na emoção da retomada no Morro da Urca, com novos talentos revelados no projeto Desafio do Bondinho.
“As pessoas se encontrando, ouvindo, foi uma emoção. Nesse tempo, todos ficaram muito isolados, sem conexão. O caldo da criação tem a ver com aproximação, com contato, inclusive com espiritualidade.”
O Noites Cariocas, marco da cultura brasileira nos anos 1980, e depois no início dos anos 2000, quando o Morro da Urca fervia, voltou como desejo genuíno do menino que frequentava na adolescência a ferveção, fruto do projeto criado por Nelson Motta.
“Noites Cariocas é uma espécie de startup do gênero pop rock brasileiro porque nossos artistas todos começaram a nascer ali, naquele palco no Morro da Urca, um lugar muito poderoso.”
Até o final dos anos 1970, o gênero pop rock pratica mente não existia no Brasil. Havia a bossa nova, a MPB clássica, Tom Jobim, Chico Buarque, os grandes românticos, como Roberto Carlos e Simone. A música sertaneja tinha o seu espaço no interior de São Paulo e do Paraná, e o trio de Dodô e Osmar brilhava na Bahia.
“O gênero pop rock de verdade é realmente uma expressão artística brasileira. Nos anos 1980, começam a pintar artistas como os Paralamas do Sucesso, Lulu Santos, Kid Abelha”, relembra ele.
Surge então um produtor, Nelsinho Motta, que já era jornalista, conectado com todo esse ecossistema da música, que inventa um lugar para que esses artistas iniciantes começassem a acontecer.
“Quando me tornei um empresário do setor da arte, cultura e entretenimento, tinha duas coisas na minha cabeça que eu faria em algum momento: retomar o festival Noites Cariocas e trazer o Blue Note para o Brasil”, conta.
“Tive o privilégio de ter conseguido fazer as duas coisas”, conta Calainho, que frequentava o Blue Note em Nova York quando ia regularmente à matriz da Sony Music nos anos 1990, época em que era executivo da empresa. “Quando Nelson Motta deixa de produzir o Noites Cariocas, ele vai morar em Nova York e o festival adormece. Em 2003, numa conversa com o meu sócio, Alexandre Acioli, começamos a discutir a possibilidade de fazer uma grande retomada dessa marca”, conta ele, que produziu a segunda grande temporada do evento entre 2004 e 2011.
Após um intervalo de 11 anos, Calainho sentiu que chegou o momento de voltar com o Noites Cariocas, e não ficará só nesta temporada.
“Vamos lançar o selo Noites Cariocas Discos. Parte dos shows será gravada para plataformas de streaming. E a gente está chamando de Discos para celebrar os anos 1980, quando havia LP e cassete, ainda que não haja mais o formato físico.”
Calainho foi influenciado pela convivência com Marcio e Roberto Menescal.
O gosto pela cultura e pela música, que ele abraçou profissionalmente, herdou da mãe e sorveu das experiências de vida. Calainho conta, por exemplo, que foi influenciado pela convivência com Marcio e Roberto Menescal. Era amigo de infância de Marcio. “Roberto tinha casa em Cabo Frio, onde compôs O Barquinho, inclusive. A gente ia pescar com o Roberto, depois ele tocava violão à noite. Participei disso com 11 anos.”
Os projetos do fundador e presidente da L21, holding que une negócios de conteúdo e entretenimento, não param. No segundo semestre, o Blue Note São Paulo vai ter uma série de shows uma vez por mês com artistas de ponta. Batizado de Blue Note Prime, terá gastronomia e excelência musical. Calainho também lançará o projeto Aventurinha, no Rio, um centro de artes para a infância com música, teatro e workshop, e fará a estreia de Seu Neyla, comédia musical sobre a vida do ator Ney Latorraca, escrita pela atriz Heloísa Périssé.
“Estou muito otimista e mais acelerado do que nunca. O Brasil precisa de arte, de cultura. O Brasil precisa respirar.”