Competição eleitoral eleva matrículas em creches públicas

Pesquisa detectou efeito em municípios com dois turnos nas disputas pela prefeitura.

Crianças em creche municipal na cidade de Alagoinhas, na BahiaCrianças em creche municipal na cidade de Alagoinhas, na Bahia (Foto: Reprodução/Insper)

Nas cidades em que a eleição para prefeito ocorre em dois turnos, a proporção de matrículas em creches públicas supera a de municípios com características semelhantes, mas que elegem o chefe do Executivo local em apenas uma votação.

A relação entre maior competição política, de um lado, e a ampliação da oferta de bens públicos, do outro, vem se acumulando na literatura especializada. Raquel Tebaldi (pesquisadora da Universidade das Nações Unidas em Maastricht, na Holanda) e Alysson Portella (pesquisador do Insper) encontraram esse efeito para creches municipais brasileiras que acolhem crianças de até 3 anos de idade.

O estudo aproveitou-se de um corte arbitrário feito pela Constituição, que estabelece eleições em dois turnos para municípios com mais de 200 mil votantes registrados. Cidades com eleitorado abaixo dessa marca praticam o turno único.

A hipótese é que cidades pouco acima e pouco abaixo do corte não diferem entre si substancialmente. Esse gradiente de proximidade cria uma situação semelhante à de um experimento científico clássico, com cidades abaixo da marca funcionando como grupo de controle para avaliar o efeito dos dois turnos nos municípios acima dela.

 

O gráfico mostra o efeito das votações em dois turnos na matrícula líquida em creches municipais. Foram utilizadas uma especificação linear e uma largura de banda de 50.000 em torno do limite de 200.000 eleitores. A estimativa inclui efeitos fixos de Estado. A variável dependente é uma média de quatro anos de mandato.
O gráfico mostra o efeito das votações em dois turnos na matrícula líquida em creches municipais. Foram utilizadas uma especificação linear e uma largura de banda de 50.000 em torno do limite de 200.000 eleitores. A estimativa inclui efeitos fixos de Estado. A variável dependente é uma média de quatro anos de mandato.

Que eleições em dois turnos acirram a disputa, elevando o número de candidatos, é um fato que tem sido atestado em outros estudos sobre o tema e foi mais uma vez verificado na análise de Raquel e Alysson, que compreendeu pleitos de 1996 a 2016.

Para testar sua hipótese principal — de que esse acirramento do embate partidário, ao alargar o eleitorado necessário para a vitória, acarreta o atendimento da demanda de parcelas mais amplas e difusas da população por creches —, o estudo avaliou a taxa de matrículas e o gasto municipal em escolas para crianças até 3 anos de idade.

Nas cidades com segundo turno, a análise econométrica apurou uma cobertura do público elegível às creches três pontos percentuais acima da dos municípios logo abaixo do corte de 200 mil eleitores. Trata-se de efeito substancial, diante da média de 8% de matrículas nessa faixa etária, em que não há obrigação legal de atendimento universal.

O efeito foi exclusivo para as creches municipais públicas, o que circunscreve o impacto das eleições locais. Detectou-se também um aumento mais discreto do dispêndio dos erários municipais com creches, embora esse resultado tenha sido menos resistente aos testes de robustez do estudo.

 

Fonte: Insper Conhecimento