Contribuintes ganham disputa no STF sobre doações e heranças no exterior
Ações podem ser ajuizadas para buscar restituição dos últimos cinco anos, dizem advogados.
Daniel Zugman, Humberto Sanches e Rodrigo Gil falam sobre sobre doações e heranças no exterior. (Foto: Divulgação)
Os Estados brasileiros não podem cobrar o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) sobre doações e heranças que incluam bens ou pessoas no exterior. Essa foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), por sete votos a quatro, na última sexta-feira (26).
A decisão era aguardada por contribuintes com grandes patrimônios que podem ser transferidos para donatários e sucessores. De acordo com advogados especialistas em Direito Tributário, esses contribuintes podem entrar com ações, no Judiciário, para requerer o imposto pago nos últimos cinco anos, enquanto não for publicado o acórdão.
“Os Estados vinham cobrando o imposto sem fundamento em lei federal complementar – exigência expressa da Constituição Federal (CF). Desse modo, daqui para frente o imposto só poderá ser exigido nessas situações caso o Congresso Nacional vote lei regulamentando a questão”, explica o advogado tributarista e sócio do BVZ Advogados, Daniel Zugman.
Para o especialista em planejamento patrimonial e sócio do escritório homônimo, Humberto Sanches, “a tese fixada para o tema 825 da repercussão geral nos parece correta e não abre precedente perigoso que permitiria aos Estados instituir outras cobranças de impostos na ausência de legislação específica, nos casos previstos na CF”
A repercussão referida deve ainda pacificar a discussão nas instâncias do Poder Judiciário, afastando riscos às famílias e demais contribuintes. “Pelo fato de o julgamento ser dotado de repercussão geral, a posição final tomada pelo STF vinculará todos os demais tribunais e homogeneizará a matéria’, explica o advogado tributarista e sócio do GVBG Advogados, Rodrigo Gil.
Aumento das famílias com patrimônio internacionalizado
Devido ao aumento no número de milionários saindo do Brasil, nos últimos anos, a decisão referida ganha ainda mais importância, considerando que eles são responsáveis por investimentos e negócios relevantes para o desenvolvimento econômico.
Segundo Zugman, do BVZ Advogados, “o número de brasileiros emigrando é cada vez maior. Segundo dados da Receita Federal, de 2018 para 2019, por exemplo, a saída de brasileiros aumentou 125%. Isso significa que há cada vez mais famílias internacionalizadas, o que também aumenta o número de casos que se enquadram na discussão do ITCMD envolvendo elementos no exterior”.
O especialista completa que “segundo o Global Wealth Report Review 2018, produzido pelo AfrAsia Bank, o Brasil aparece em sétimo lugar no ranking de países que mais perdem milionários por ano. Mais de 2.000 pessoas com alto poder aquisitivo fizeram as malas e deixaram oficialmente o país em 2017, por exemplo. Tudo isso contribui para a maior importância deste julgamento (do STF)”.
De acordo com Humberto Sanches, “o atual patamar da taxa de câmbio inibe clientes de remeterem recursos ao exterior, embora haja um fluxo constante de remessa de divisas para diversificação de carteiras de investimentos e de risco cambial. Além disso, a desvalorização do Real frente ao dólar norte-americano fez com que o valor dos investimentos no exterior, em moeda corrente nacional, aumentasse na mesma proporção. Ainda, a abertura de capital de empresas com sede no exterior, mas cujos investidores incluem residentes no Brasil, representou aumento do volume de recursos mantidos no exterior”.
Rodrigo Gil explica o crescimento do volume de bens no exterior. “É notável que um imenso volume de bens e recursos passaram a ser declarados após o plano de repatriação, instituído incialmente em 2016 (RERCT). Após o RERCT, que recebeu grande adesão por parte de contribuintes brasileiros, todos os bens no exterior que não estavam declarados, passaram a ser de conhecimento das autoridades tributárias. Desta forma, aumentou-se muito o volume de bens no exterior sujeitos a doação e sucessão por herança, cuja transferência implica em visibilidade pelas autoridades brasileiras”.
Por que a cobrança do imposto era inconstitucional?
Para os especialistas, a inconstitucionalidade da cobrança acontecia porque a CF exigiria uma Lei Completar. “Não há como se admitir que, na ausência de Lei Complementar que regulamente a competência para instituição do ITCMD, nas hipóteses acima relacionadas, os Estados instituam leis próprias para tal exigência, trazendo para si uma competência tributária que não lhe foi legalmente e constitucionalmente outorgada”, disse o tributarista Rodrigo Gil, do GVBG Advogados.
Segundo Daniel Zugman, “sob uma perspectiva macro, vale ressaltar que desde o início da pandemia o STF tem promovido uma verdadeira reforma tributária do Judiciário, à revelia do Legislativo, adotando interpretações das regras tributárias que alargam as hipóteses de tributação e a carga tributária de modo geral. Muitas vezes essas decisões reformam entendimentos históricos que o Judiciário havia estabelecido favoravelmente aos contribuintes”.
Quais outras discussões tributárias precisam estar no radar das famílias e demais contribuintes?
Para Humberto Sanches, “eventual lei complementar deverá ser promulgada num futuro não tão distante, até mesmo porque se discute, de forma mais ampla, uma reforma tributária que poderá afetar as pessoas físicas em geral, com a instituição de tributação sobre lucros e dividendos de empresas com sede no país, fundos fechados, lucros de empresas controladas no exterior, mesmo que não distribuídos, aumento de alíquotas de imposto sobre a renda, como novas faixas, dentre outros”.