Eduardo Tesche: “Não há mais volta ao modelo antigo”, diz especialista sobre universidade do futuro
Relatório da consultoria EY aponta cinco tendências em educação superior que podem ser adotadas pelo setor até 2030.
Eduardo Tesche é o sócio líder da prática de Educação na América do Sul. (Foto: Divulgação)
A transformação digital está preparando o cenário educacional para uma grande inovação. Em um mundo pós-pandemia no qual se pode trabalhar de qualquer lugar, há também o desejo de estudar em todos os lugares. Tecnologias convergentes, mudanças demográficas e novos modelos de negócios podem mudar a estrutura do setor. “É hora de começar a fazer perguntas difíceis, desafiar o status quo e olhar para as oportunidades que a pandemia trouxe. É hora de repensar como, onde e para quem a educação superior é entregue”, afirma Catherine Friday, líder global de Educação da EY.
Em um relatório feito a partir de entrevistas com líderes universitários de vários países desenvolvidos e emergentes e de instituições acadêmicas públicas e privadas, a consultoria constata que existe uma tensão entre os tradicionalistas, que olham para os seus preços que sempre cresceram e para a demanda atual e dizem que o modelo é seguro; e os revolucionários, que olham para o decréscimo da taxa de natalidade, as dificuldades de pagamento, os custos e benefícios da digitalização e o surgimento de novos competidores e dizem que o modelo de negócios atual está ameaçado.
“Existiram pouquíssimas revoluções no ensino superior. A nossa tese, contudo, é que, apesar das duas opiniões representarem fatias importantes do cenário da educação superior, os revolucionários representam uma porcentagem maior do total”, aponta o documento.
Os dados mostram ainda cinco cenários - baseados em tendências atuais - que podem ser adotados até 2030 em universidades de todo o mundo. São eles: custo de aprendizado cair para zero (acesso a plataformas digitais, reduzindo o custo para entrega de serviços), jornadas flexíveis e customizadas, provedores de educação cobrados por resultado, receita de pesquisas comercializadas suficiente para pagar seus custos, e tecnologia atante na equidade educacional.
“Não há mais volta ao modelo antigo e isso é dado pelas mudanças causadas pela pandemia. Mudanças demográficas, geopolíticas, demandas de um novo modelo de profissional e, principalmente, o perfil e exigências dos estudantes atuais já geraram disrupções no setor que não permitirão mais que as universidades se mantenham no formato das universidades que conhecíamos até 2019”, afirma Eduardo Tesche, sócio da EY-Parthenon e líder para o setor de Educação na América Latina.
Em entrevista à Agência EY, Eduardo Tesche explica como o Brasil está posicionado nessas tendências, o que pode atrapalhar a evolução educacional, o crescimento das universidades particulares e a customização das jornadas.
Muitas das previsões de mudança nas universidades são para até 2030, ou seja, em apenas oito anos. O que, de fato e na sua visão, é factível?
Em certo grau, esses cinco cenários já acontecem, uma vez que foram todos baseados em tendências, sinais e tecnologias de hoje. Provavelmente, nenhum deles acontecerá 100% como está descrito no relatório, mas é factível que aconteçam em certo grau. Por exemplo, o custo de aprendizagem já é baixo, muitas plataformas disponibilizam conhecimento a, basicamente, custo zero. A questão é a acurácia desse conteúdo e a forma como ele é entregue. As universidades, hoje, são muito mais do que a simples entrega de um conteúdo. Existem discussões e debates que desenvolvem o pensamento crítico e habilidades de comunicação do aluno que hoje, por meio dessas plataformas, ainda não é possível ter essa mesma experiência.
No Brasil, que mudanças podem acontecer, levando em conta todos os gargalos que existem no sistema educacional?
No Brasil, as mudanças também já acontecem. As mudanças ocasionadas pela Covid-19 e descritas acima não são de exclusividade de nenhuma região do mundo. Em certo grau, todos esses cenários são factíveis. O custo de aprendizagem já é baixo em todos os lugares do mundo. Já existem jornadas customizadas e flexíveis - esse conceito já é muito presente para os profissionais da área de saúde e que será demandado por outras profissões. Além disso, temos o movimento de alguns empregadores (assim como a EY) que estão criando seus próprios cursos em áreas de inovação, porque as universidades têm sido muito lentas. A cobrança por resultado já é realidade em algumas profissões, como naquelas relacionadas à tecnologia. Talvez, a maior dificuldade esteja relacionada ao tema da comercialização das pesquisas, em que precisaria haver um esforço maior por parte dos governos para que as universidades possam ter acesso a diferentes tipos de financiamento, estreitando as relações entre indústria e instituições de ensino.
O que pode prejudicar o avanço de mudanças nas universidades brasileiras?
Um elemento central na transformação do ensino superior é a evolução do papel do aluno na sua jornada de aprendizado, passando de uma postura passiva para uma postura ativa na definição do rumo de sua carreira e na aprendizagem. Essa autonomia pode ser desafiadora para uma parcela importante dos estudantes que não teve condições propícias para desenvolvê-la durante o ensino básico. As instituições de ensino superior terão de conviver ainda com realidades bastante distintas entre seus alunos e com exigências e demandas do mercado de trabalho desafiadoras para seus estudantes. Os efeitos da pandemia no aprendizado estão só agora começando a ser mapeados e o cenário para os próximos anos é bastante preocupante, com muitos estudantes saindo do ensino médio com deficiências importantes de aprendizado e impactos relevantes na saúde mental. Será preciso que parte desses desafios seja endereçada pelas instituições de ensino superior.
O crescimento das universidades particulares está sob pressão no Brasil. Por quê?
Apesar do amplo espaço para crescimento do ensino superior no Brasil, devido às baixas taxas brutas de matrícula do país, o crescimento para as universidades particulares também está sob pressão (condições econômicas desfavoráveis, alta evasão, redução do Fies etc). O segmento também passa por um momento de pivotagem, no qual o perfil da nova geração de alunos é muito mais aberta ao mundo on-line, provocando uma necessidade constante de diferenciação. Dessa forma, como o próprio estudo menciona, as universidades deveriam juntar o que existe de melhor em conteúdos digitais, ensino, colaborações e ferramentas de avaliação e combinar com a experiência rica que o campus pode proporcionar. Essas universidades precisam buscar diferenciação.
É possível aplicar a customização e flexibilização das jornadas, onde as universidades passam a atuar no life long learning (aprendizado ao longo da vida) do profissional, no Brasil?
Sim. Não só é possível como já existe e é bastante comum em algumas especialidades como a área da saúde, por exemplo. Vemos empresas que estão totalmente focadas nesse tema, como a Afya, que tem como propósito a tríade educação, tecnologia e saúde com o objetivo central de ser parceira do médico ou profissional da saúde ao longo da sua carreira.
Fonte: Por Agência EY