‘Os EUA estão interessados em fazer prevalecer os seus próprios interesses’, avalia Alberto do Amaral, da USP

Especialistas analisam as ações políticas de Donald Trump em seus primeiros dias de governo.

Alberto do Amaral Junior_usp (1)Alberto do Amaral, professor  da Faculdade de Direito da USP. (Foto: Divulgação)

Desde que tomou posse, no dia 20 de janeiro, o presidente americano Donald Trump ameaça usar tarifas sobre produtos importados de alguns países – como Canadá, México, China, Rússia e até mesmo a Dinamarca – para resolver uma série de problemas de política, como migração e expansão territorial. Mesmo que no passado outros presidentes tenham usado a questão de tarifas na política externa, a abordagem de Trump é considerada única na história dos Estados Unidos.

O professor Manoel Galdino, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanos da USP, analisa de que forma Trump está usando a questão do aumento de tarifas como uma ferramenta política nas relações internacionais. “É bem claro que o Trump está usando as tarifas como uma forma de pressão política para obter os seus objetivos. [..] Como os Estados Unidos são uma economia com impacto muito grande no comércio internacional dos países, é uma arma muito poderosa.”, afirma Galdino. Ele usa como exemplo o caso da ameaça contra a Colômbia. “Os principais produtos de exportação da Colômbia são direcionados aos Estados Unidos, que é o maior mercado dos principais produtos colombianos e ele usa essa força para conseguir os seus objetivos.”

No passado, as tarifas eram uma solução para problemas econômicos específicos como levantar dinheiro e proteger as indústrias americanas de concorrentes estrangeiros. Mas, depois da Segunda Guerra Mundial, os presidentes americanos passaram a usar as tarifas seletivamente. Galdino explica que, embora as sanções econômicas não sejam uma prática nova, em geral são aplicadas para países considerados párias no sistema internacional, como Cuba, Venezuela, Coreia do Norte, ou então a Rússia, no caso da guerra com a Ucrânia. “Esse é o tipo de país que é objeto desse tipo de sanção”, avalia.

OMC

Mesmo os Estados Unidos sendo um dos países-membros da Organização Mundial do Comércio, organismo internacional que regula o comércio global, Galdino explica que os estados são soberanos. “Não existe um organismo internacional que fique acima dos países, que consiga obrigar os países a seguirem leis internacionais”, reforça. No entanto, o professor explica que, pelos tratados que formam a OMC, isso não seria permitido.

“Se você colocar medidas que não são autorizadas pela lei da Organização Mundial do Comércio, o país afetado estaria autorizado a retaliar com medidas que prejudicassem o outro país, como, por exemplo, colocando tarifas também”, acrescenta. Contudo, alerta que a assimetria de poder é tão grande entre os Estados Unidos e os demais países, com pouquíssimas exceções – por exemplo, a China -, que, na prática, os EUA não sofreriam maiores consequências. “Teria que ser autorizado pela OMC para que essa imposição de tarifas fosse feita, mas, enfim, os Estados Unidos basicamente fazem o que querem”.

Muitos países estão buscando encontrar a melhor maneira de responder às ameaças do presidente americano, mas temem as retaliações. Os Estados Unidos são um grande mercado e Galdino acredita que a solução é muito difícil, principalmente para países menores, que ficam muito fragilizados com essas ameaças.

“É o caso da Colômbia”, explica. “Porque retaliar, seu impacto econômico é muito pequeno sobre os EUA? Em compensação, o impacto dos EUA sobre a economia colombiana é muito grande. É diferente da União Europeia, da China ou da Índia e , num certo sentido, do Brasil, que também é um mercado relevante”.

O Brasil é o segundo maior parceiro comercial dos EUA, com as exportações brasileiras chegando a US$ 40,33 bilhões no ano de 2024, um crescimento de 9,2% em relação ao ano anterior. Mas o professor não vê nenhuma alternativa isolada de um país . A única saída, segundo ele, é conseguir construir ações coletivas de forma que, se os Estados Unidos impusessem uma tarifa unilateralmente, uma série de países em conjunto retaliasse numa ação coordenada. Dessa forma, o impacto seria grande e nenhum país seria punido individualmente.

Guerra tarifária

Uma guerra tarifária prejudicaria muito mais outros países do que a economia americana. Mas, em tempos de inflação alta, uma guerra comercial com importantes parceiros comerciais seria sentida pelos consumidores americanos. “Isso é o be-a-ba da economia internacional, mas o fato é que se ele taxar países específicos e pequenos, o impacto vai ser recebido apenas por alguns setores e em alguns produtos, por exemplo, o café colombiano”, o principal produto de exportação do país.

“Nesse caso, os consumidores americanos teriam aumento no preço do café, mas o resto ficaria igual. Então, dependendo da extensão das tarifas que ele impuser, o impacto é menor. Se fosse contra a China, por exemplo, aí o impacto seria maior na economia americana.

A União Europeia vem expandindo acordos comerciais com a América do Sul e com o México. Galdino acredita que essa expansão seria uma ferramenta importante para fortalecer o livre comércio e as relações entre os países, como é o caso do acordo do Mercosul com a União Europeia. “O governo Trump está ameaçando destruir a ordem liberal internacional, a globalização e, portanto, esses acordos regionais são uma fonte importante para reduzir esses impactos, na medida em que você vai abrir mercados alternativos para os produtores”, o que ajudaria no caso de aumento de tarifas e restrições às importações. No entanto, não resolveria completamente.

“Outros acordos precisam ser construídos”, defende, alertando que precisam ser implementados com maior rapidez. Galdino lembra que o acordo Mercosul/ União Europeia foi assinado, mas não entrou em vigor ainda, porque faltam algumas etapas. “Isso precisa ser acelerado também para que tenha um efeito prático mais rápido.”

O professor avalia que o melhor caminho seriam soluções coletivas, “porque os EUA são o país mais poderoso do mundo. Só que os EUA não são maior do que o resto do mundo, não são mais poderosos que todos os outros países juntos.” Por isso, acredita que, à medida em que os países consigam criar alianças e agir coletivamente, vão conseguir ter alternativas ao governo Trump.

Contudo, alerta que é muito difícil de acontecer, mas é possível. Além disso, existem outras dificuldades, como é o caso da Argentina, na América do Sul. “Sob Miley, provavelmente vai preferir se alinhar ao Trump do que fazer uma ação coletiva para se proteger do trumpismo”, acredita, já que os países que agirem individualmente se alinhando ao governo Trump vão ganhar alguns benefícios.

“Esse é o desafio para a construção coletiva, porque, se der errado, os líderes dessa ação vão ser alvo da retaliação do governo americano e sozinhos vão ser muito prejudicados. É uma construção difícil de ser feita na prática, mas é o único caminho que eu vejo”.

O professor Alberto do Amaral, da Faculdade de Direito da USP e especialista em direito internacional, considera que o governo americano, com essas ameaças, não está preocupado com as relações internacionais, mas sim com seus próprios interesses.

“O comércio internacional para o presidente Trump, para os EUA hoje, constitui uma questão estratégica, uma questão de segurança nacional. Então, ele não é visto como um objetivo para aumentar a eficiência. Essa é a visão clássica do comércio com a importação como uma forma de diminuir preços e buscar os preços dos produtores mais eficientes. Não se visa a isso. O que se visa é subordinar o comércio internacional aos interesses americanos”, avalia.

Amaral entende que a imposição de tarifas à China, por exemplo, tem a ver com essa visão do republicano. “O presidente Trump não quer a competição dos produtos chineses. Em vista disso, ele quer impor tarifas às importações da China, na ordem de 20%, por exemplo, para impedir a maior competitividade das exportações chinesas para o território norte-americano”.

Segundo o professor, o mesmo ocorreria em relação à Europa, também com os veículos importados da Alemanha ou com a importação de aço e alumínio do Brasil. “A imposição de tarifas, nesses casos, visa à realização desses objetivos, garantindo uma maior competitividade às empresas americanas no interior dos Estados Unidos, porque os competidores internacionais são praticamente alijados, os preços dos produtos importados ficam mais caros e, com isso, as empresas americanas ganham uma fatia maior de mercado”.

O professor Amaral explica que essa é uma definição clássica do protecionismo. “O protecionismo é uma forma de exercício de uma ação unilateral. Essa ação unilateral considera os interesses norte-americanos acima dos interesses dos outros países. Os EUA não estão interessados em criar condições para que haja uma cooperação em torno de regras internacionais, estão interessados em fazer prevalecer os seus próprios interesses”, finaliza.