Poluição do ar está relacionada à piora na qualidade do sono na cidade de São Paulo

Pesquisadores explicam como a preferência por automóveis particulares polui mais e prejudica a saúde na metrópole,

tânia rego_agência brasilPesquisadores explicam como a preferência por automóveis particulares polui mais e prejudica a saúde na metrópole. (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)

São Paulo é a cidade com mais automóveis no mundo, são mais de 9 milhões de veículos, segundo dados da Secretaria Nacional de Trânsito. Toda essa quantidade de motores gera altas emissões de gases poluentes, associados ao efeito estufa e à piora da saúde pulmonar, podendo inclusive levar a uma pior qualidade do sono. Os professores da USP Jaime Oliva, do Instituto de Estudos Brasileiros, Adalgiza Fornaro, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Regina Markus, do Instituto de Biologia, e Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina, explicam por que a Região Metropolitana de São Paulo abriga tantos carros e como as consequências para a saúde aparecem.

A preferência por automóveis

Conforme explica Jaime Oliva, a preferência pelos carros privados, em detrimento dos meios de transporte coletivos, é resultado de um modelo de cidade mais pautado no isolamento dos cidadãos do que na interação das pessoas e na cultura pedestre. “Não há uma razão simples para se compreender todo o processo e toda a legitimação social que se desenvolveu para o uso do automóvel. A Prefeitura do município de São Paulo, desde os anos 70, tem no sistema viário para recepcionar o automóvel particular o seu principal gasto. O poder público nunca procurou estimular outras alternativas de mobilidade.”

Por outro lado, setores da sociedade civil não demonstraram interesse e adesão profunda em outras maneiras de se locomover pela cidade. A economia do automóvel foi estimulada como motor do desenvolvimento da indústria paulista e a construção civil também se adaptou e estimulou a automobilização da metrópole. “Todo o setor imobiliário, todo o setor de engenharia civil foi também criando os meios para acomodar essa massa automobilística que não apenas anda, mas precisa ser estacionada. Nós temos um conjunto de edificações novas, que desde os anos 80 vêm sendo construídas, tendo como infraestrutura de estacionamento um dos seus grandes elementos atrativos”, explica Oliva.

Gases emitidos

Essa grande quantidade de motores a combustão gera uma grande quantidade de gases poluentes liberados na atmosfera. Segundo dados do 19° Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Município de São Paulo, o setor de transporte é o responsável por cerca de 60% das emissões de GEE na cidade.

Adalgiza Fornaro explica que as emissões dos carros são produtos da queima completa e incompleta do combustível: “Um motor perfeito geraria apenas energia, vapor d’água e CO2. Mas a máquina não é perfeita e vai acabar emitindo outros gases que são produtos da queima incompleta e da própria composição do ar”.

A pesquisadora conta que os gases poluentes podem ser divididos em três grupos: dióxido e monóxido de carbono, gases nitrogênio (NO e NO2) e material particulado, grãos de impureza finíssimos que se dispersam pelo ar. Enquanto o carbono está associado ao aquecimento global, os gases com nitrogênio trazem outras consequências para o clima: “Em presença de radiação solar, reações fotoquímicas do NO, NO2 e o monóxido de carbono vão produzir ozônio troposférico (O3), que é um oxidante forte, um poluente bastante grave que contamina o solo por meio da chuva e traz consequências para a saúde humana”, expõe Adalgiza. O tipo de combustível também influencia a quantidade de emissões. Veículos a diesel tendem a emitir mais material particulado, observado, por exemplo, na fumaça preta que sai do escapamento dos caminhões.

Consequências para a saúde

Além de sujar a atmosfera, contribuindo para o aquecimento global, amplificando problemas como as ilhas de calor, e causar chuvas ácidas que contaminam o solo e prejudicam a produtividade agrícola, a poluição particulada também traz consequências graves para a saúde humana, que a ciência ainda busca entender em detalhes.

A equipe de pesquisa da professora Regina Markus encontrou relações entre respirar ar poluído e a produção desregulada de melatonina, hormônio associado tanto à regulação do sono quanto ao sistema imune, além de outras funções fisiológicas. “A minha área de pesquisa envolve qualquer sistema que agrida o organismo de forma aguda, então pode ser uma bactéria, um vírus ou um fungo, por exemplo. A nossa surpresa foi que algumas das respostas do organismo à poluição são iguais à resposta que a gente obtinha com vírus e bactérias.”

A professora explica que uma das reações do pulmão contra a agressão de uma partícula poluente é a liberação de macrófagos alveolares, que, como um pac-man, engolem a agressora para impedir que ela caia na corrente sanguínea e se espalhe pelo corpo. Esses macrófagos então começam a formar muco, catarro escuro que é expelido das vias aéreas na forma de tosse e espirro.

Contudo, essa resposta não acontece em todos os sujeitos. Regina Markus percebeu que, em alguns sujeitos, os macrófagos não são estimulados, então o diesel entra na corrente sanguínea pelo pulmão, o que traz piora na qualidade e regulação do sono: “Isso causa uma série de reações nos pinealócitos, células da glândula pineal, que ‘ligam o sinal de alerta’ e impedem as enzimas que produzem melatonina. É uma relação de causa e efeito: partículas de diesel na corrente sanguínea, a pineal não produz melatonina à noite,” explica a professora.

Solução complexa

Embora medidas governamentais tenham sido tomadas no sentido de regular a poluição emitida pelos carros, como a inspeção veicular obrigatória e a tecnologia automobilística ter avançado com melhorias, por exemplo, nos catalisadores de paládio que filtram o ar liberado pelo escapamento, a poluição emitida segue sendo alta o suficiente para trazer as consequências indesejadas para o ambiente e a saúde humana.

Segundo Paulo Saldiva, outro problema causado pelo número colossal de carros na cidade de São Paulo é o aumento do estresse causado pelo trânsito, cada vez mais intenso na metrópole. A solução é complexa e passa tanto pela química e mecânica dos automóveis quanto pela urbanização da cidade: “Eu não tenho dúvida que nós temos que reduzir a necessidade de mobilidade. Quando você concentra uma cidade e desloca a pessoa para longe do seu trabalho, ela vai ter que se movimentar, por vezes passando quatro horas por dia no transporte. É preciso não só reduzir as emissões do transporte, mas também reduzir a necessidade de transporte motorizado”.