Plataforma eleitoral responde a contexto da disputa

Trabalho analisou milhares de programas de candidatos a prefeito em 2012 e 2016.

A leitura sistemática, por meio de programação computacional, e a análise de mais de 28 mil plataformas de candidatos a prefeito no Brasil revelam que o conteúdo dos manifestos varia conforme características pessoais, regionais e partidárias. A técnica também subsidiou o teste de hipóteses formuladas a partir de modelos mais gerais da ciência política, como a de que limitar gastos de campanha tende a aproximar o conteúdo programático entre adversários e a de que concorrentes à reeleição se concentram em menos assuntos em suas plataformas.

Em sua tese de doutoramento no Insper, Leila Albuquerque Rocha Pereira lançou mão de métodos de processamento de linguagem natural para ler e analisar as plataformas de campanha que, por lei, todos os candidatos a prefeito precisam depositar na Justiça Eleitoral. A pesquisadora extraiu dos repositórios oficiais, em condição de leitura por máquina, mais de 12 mil documentos relativos à eleição de 2012 e mais de 15 mil do pleito de 2016.

A fim de identificar os conjuntos temáticos significativos nos manifestos, o trabalho recorreu ao modelo LDA (“Latent Dirichlet Allocation”), que aglutina em cada tópico termos que aparecem associados com mais frequência. A técnica foi aplicada a um conjunto de 3.676 termos únicos extraídos das plataformas de campanha, após limpeza e filtragem que partiram de um total bem maior de itens.


A partir do cruzamento de algumas características dos candidatos com os tópicos mais frequentes em suas plataformas, Leila Pereira mostra que em geral há concentração em temas sociais, de saúde, agrícolas, econômicos e de gestão pública, enquanto cultura e saneamento são pouco abordados. Candidatos de siglas menores de esquerda tendem a discutir mais assuntos sociais e menos temas de integração, economia e de mobilidade.Mobilidade –bem como economia, saneamento e cultura– é assunto mais explorado por candidatos que cursaram faculdade. Já a abordagem de temas sociais e educacionais não varia conforme o grau de escolarização do político. Homens falam mais de economia e integração; mulheres, de temas sociais e culturais. O foco em assuntos locais prevalece.A tese de doutoramento, orientada pelo professor do Insper Sergio Firpo, também associou os termos utilizados nas plataformas às inclinações ideológicas dos candidatos. Para tanto, recrutou a escala de classificação doutrinária de partidos definida nas pesquisas de Timothy Power e Cesar Zucco Jr. com legisladores federais. Com a metodologia Wordscores, a frequência com que cada termo aparece nos manifestos de candidaturas de legendas de esquerda, centro-esquerda, centro-direita e direita transformou-se num índice de inclinação ideológica.


Ao calcular o indicador ideológico, com base nos documentos programáticos, para cada grande partido nas eleições municipais estudadas, Leila Pereira mostrou que uma parcela importante dos candidatos a prefeito de PT e PC do B vocaliza um programa próximo à plataforma média de direita, ou ainda mais à direita dela, muito embora essas duas legendas sejam classificadas à esquerda do espectro ideológico.

Com o ferramental analítico das plataformas, o trabalho avaliou a hipótese de que limitar os gastos eleitorais de candidatos adversários tenderia a fazer as suas plataformas convergirem. A postulação é uma decorrência, elaborada pela autora, da teoria proposta por Scott Ashworth e Ethan Bueno de Mesquita, de que, quanto maiores as despesas de campanha, maior é o incentivo para que candidatos adversários distanciem-se um do outro em suas plataformas.Em 2016, foram introduzidos limites legais nas despesas de campanha municipais.

Em parte dos municípios, o dispêndio por pleiteante a prefeito não pôde ultrapassar R$ 100 mil. Na outra parcela, o teto foi acima disso e equivalente a 70% do máximo que um candidato havia gastado no pleito de 2012. No primeiro caso, fixou-se um limite estrito. No segundo, o teto foi relativo e variou de cidade para cidade.A teoria levaria a crer que, tudo o mais constante, nos municípios em que a limitação de gastos adotada foi a mais estrita, as plataformas de candidatos adversários tenderiam a se aproximar em seu conteúdo, na comparação com os municípios em que o teto de gastos foi menos rígido. Não foi o que a pesquisa de Leila Pereira detectou.

Nos testes econométricos, embasados em trabalho de Eric Avis e coautores, realizados com as plataformas depositadas na Justiça Eleitoral, um limite mais apertado de gastos não levou à convergência de propostas.Outra possibilidade aberta pelo estudo com as plataformas de campanha é a de verificar o efeito de haver na disputa um candidato à reeleição. Teoria prevê que o governante-candidato se beneficia de falar de poucos tópicos no processo eleitoral, aqueles em que a sua reputação, decantada ao longo do mandato, lhe daria vantagens sobre oponentes.

A análise de Leila Pereira acusou uma concentração dos tópicos abordados por candidatos à reeleição em suas plataformas –de 15% sobre seus competidores mais próximos. Prefeitos no cargo que concorreram em 2016 expuseram plataformas 40% mais concentradas do que as que haviam adotado no pleito anterior, de 2012. A concentração no grupo de candidatos que concorreram nas duas eleições, mas não se elegeram –utilizado como comparativo na análise— foi menor, de 20%.

Essa concentração, entretanto, não ocorreu para os tópicos relacionados a políticas públicas. O foco se fechou em ideias como continuidade e manutenção.  Os testes que buscaram relacionar o bom desempenho do prefeito no primeiro mandato em determinadas políticas públicas com temas enfatizados na plataforma de reeleição não detectaram resultado significativo, a não ser para os assuntos educacionais.