Zanin quer nomes de servidores do STJ em inquérito sobre vazamento de dados

O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que compartilhe a lista de todos os servidores que atuam ou que já passaram pelos gabinetes dos ministros João Otávio Noronha e Mauro Campbell - corregedor-nacional de Justiça -, desde 1º de janeiro de 2024.

A decisão acolhe indicação da Polícia Federal a partir da suspeita de que alvos de inquéritos sigilosos, sob relatoria de Noronha e Campbell, tiveram acesso privilegiado às investigações. A PF apura a origem dos vazamentos. Os ministros não são investigados.

Campbell é o relator da Operação Fames-19 que mira autoridades do Tocantins, inclusive o governador Wanderlei Barbosa (Republicanos), sob suspeita de desvio de recursos da pandemia para distribuição de cestas básicas. O governador foi alvo de buscas em sua casa e em seu gabinete, em agosto do ano passado. Ele nega irregularidades.

Noronha é o relator da Operação Maximus, investigação sobre desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado supostamente ligados a esquema de venda de sentenças.

Ao Estadão, Campbell informou que já determinou ao seu gabinete que providenciem imediatamente as informações solicitadas por Zanin. "No nosso gabinete o acesso aos autos de investigações é muito restrito, limitadíssimo. Daí nossa certeza de não ter havido qualquer vazamento por qualquer dos raros servidores deste gabinete com acesso aos autos de investigação."

"A prova inequívoca da verossimilhança desta minha afirmação decorre do fato de que as nossas medidas produziram farto material probatório, com documentos e valores em espécie, além de as equipes executórias das medidas não terem detectado qualquer atitude dos alvos que não tivesse sido de surpresa e pavor com a chegada dos policiais", enfatiza Campbell.

Até a publicação deste texto, a reportagem do Estadão buscou contato com o ministro João Otávio de Noronha, mas sem sucesso.

Além da lista de servidores, Zanin cobrou dados cadastrais referentes aos processos e informações detalhadas de acesso e histórico de movimentação eletrônicas, desde a criação de minutas de documentos e alterações até a efetiva publicação de decisões e despachos.

No ofício endereçado ao ministro Herman Benjamin - presidente do STJ -, Cristiano Zanin pede expressamente:

- Logs de acesso, do histórico de movimentação, das operações realizadas (criação, exclusão, alteração, envio, assinatura publicação etc.), do nome e siglas do usuário responsável pela operação, além dos servidores com permissão de leitura dos documentos produzidos nos autos dos processos, com a indicação do nome do servidor, e-mail funcional e pessoal, telefone e matrícula;

- Lista dos servidores públicos (quadro permanente ou cedidos) lotados nos gabinetes dos ministros João Otávio Noronha e Mauro Campbell, englobando o período entre 1 de janeiro de 2024 até a presente data, contendo nome completo, e-mail e telefone de todos os servidores que atuam e que já atuaram nos citados gabinetes no período acima indicado.

Em sua decisão, à qual o Estadão teve acesso, Zanin exalta "as indiscutíveis qualidade e produtividade do Poder Judiciário brasileiro" e afirma que seu prestígio "lamentavelmente pode vir a sofrer máculas em virtude do agir de uma ínfima minoria de seus membros e servidores".

"Eventuais condutas que se desviem da ética e das imposições legais necessitam, pois, de escorreitas investigações", defende o ministro.

"A gravidade concreta dos casos narrados mostra-se até aqui manifesta, exigindo pronta resposta desta Suprema Corte, até porque envolvem menção - verdadeiras ou não, não é possível saber neste momento - a ministro do Superior Tribunal de Justiça."

Ligações fortíssimas no STJ

Zanin destaca em sua decisão que a PF apresenta gravação de ligações entre Thiago Barbosa e Eduardo Siqueira Campos, tratando sobre informações sigilosas referentes às operações Fames-19 e Maximus, "com detalhes que, na visão da autoridade policial, indicam conhecimento detalhado de informações sigilosas referentes aos inquéritos em trâmite".

As suspeitas de vazamento surgiram a partir de mensagens descobertas no celular do advogado Thiago Marcos Barbosa de Carvalho, sobrinho do governador do Tocantins. Thiago está preso preventivamente.

Em diálogo com o desembargador Helvécio de Brito Maia Oliveira, do Tribunal de Justiça do Tocantins, em junho de 2024, o advogado afirma que teve acesso ao inquérito nº 1650 - autuado no Superior Tribunal de Justiça um ano antes -, por meio de "pessoas que têm ligações fortíssimas no STJ".

O alerta sobre as investigações teria partido do prefeito de Palmas, Eduardo Siqueira Campos (Podemos), ex-senador. Em conversa com o advogado, o prefeito antecipa que a Operação Maximus seria deflagrada em agosto - o que efetivamente ocorreu - e cita nominalmente alvos da investigação.

O prefeito antecipa que o ministro João Otávio Noronha seria o relator do inquérito.

"Para os desembargadores eu já até sei quem é o relator, eu já até sei um outro cara duro, por sinal. O relator é Noronha, Brasília."

No diálogo, ele menciona um encontro com o ministro Noronha "há 15 ou 18 anos", em Brasília. Siqueira Campos diz no telefonema que recebeu um alerta do ministro.

"Falou para mim: Siqueira, só para avisar ao teu pai que vão ser afastados quatro desembargadores", relatou.

Ex-governador do Tocantins, José Wilson Siqueira Campos, pai do prefeito de Palmas, morreu em 2023.

O prefeito também dá detalhes sobre a Operação Fames-19 e antecipa a Thiago que ele estava entre os investigados. Siqueira Campos o aconselha a contratar o advogado Michelangelo Cervi Corsetti, também investigado. O Estadão buscou sem sucesso, até a publicação deste texto, contato com Michelangelo. O espaço está aberto.

"O cara que tem condição de amanhã fazer um despacho e avançar na tua tese, que o cara que faz o voto, amanhã ele tá sabendo (sic)", orienta o prefeito.

Os diálogos levaram Zanin a autorizar buscas nos endereços residenciais e funcionais do prefeito na semana passada no âmbito da Operação Sisamnes, fase 9.

A Operação Sisamnes - juiz corrupto, segundo a mitologia persa - investiga suspeita de venda de sentenças em uma rede de Tribunais de Justiça estaduais, esquema que teria atingido gabinetes de ministros do STJ.

"Todos esses trechos mencionados denotam que os investigados tiveram acesso a informações sigilosas. Há, ainda, elementos robustos a indicar que essas informações foram repassadas a terceiras pessoas com propósito de frustrar medidas cautelares adotadas no curso de investigação complexa, referente a possível organização criminosa, tanto que o próprio Thiago saiu de casa no dia de deflagração da operação", escreveu Zanin.

A Polícia Federal chegou a pedir a prisão preventiva e o afastamento de Siqueira Campos do cargo, mas o ministro considerou que não havia "correlação" entre o mandato e as suspeitas investigadas.

"Nesse contexto, em que a influência política não decorre propriamente da função exercida, mas da história de vida do investigado, afigura-se desproporcional o afastamento, pelo Poder Judiciário, de titular de cargo político legitimamente eleito", justificou Zanin.

O prefeito nega envolvimento com vazamentos e afirma que não mantém fontes privilegiadas em tribunais ou em qualquer outra instância do Poder Judiciário.

COM A PALAVRA, O PREFEITO EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS

A Operação Sisamnes investiga o vazamento de informações sigilosas de demais Operações Judiciais, que envolvem terceiros.

Eduardo Siqueira Campos esclarece que não é alvo das investigações que tiveram informações vazadas e que não mantém fontes privilegiadas em tribunais ou em qualquer outra instância do Poder Judiciário.

Os diálogos divulgados pela imprensa são parte de conversas informais com Thiago Marcos Barbosa, que o procurou buscando orientações e a indicação de um advogado para constituir defesa no processo em que responde.

O prefeito Eduardo Siqueira Campos afirma que ter indicado um advogado para Thiago, por si só, não configura qualquer tipo de vazamento de informação privilegiada e nem representa conduta contrária à legislação vigente. Além disso, esclarece ter conversado sobre informações (que supostamente haviam sido vazadas), e que este fato não pode imputar à Eduardo a autoria ou responsabilidade pelo vazamento das mesmas. Depois de vazadas, certas informações ganham o mundo e viram alvo de comentários de todo o meio político.

O Prefeito de Palmas coloca-se à disposição para quaisquer demais esclarecimentos e aguarda que os verdadeiros responsáveis por vazamento de informações sigilosas e tentativas de obstrução de justiça, caso tenham ocorrido, sejam responsavelmente investigados, descobertos e revelados.

COM A PALAVRA, O ADVOGADO LUIZ FRANCISCO DE OLIVEIRA, QUE DEFENDE THIAGO MARCOS DE BARBOSA CARVALHO

A defesa não se conforma com o fato de Thiago Marcos de Barbosa Carvalho estar preso desde 9 de abril, embora seja primário, com bons antecedentes. Ele não tem personalidade voltada para o crime. Medidas cautelares diversas da prisão, tais como monitoramento eletrônico, são suficientes. A defesa protocolou pedido de revogação da prisão preventiva. Mesmo havendo provas de que dados foram repassados a ele por um advogado de Brasília o único preso até hoje é só ele.

A irresignação da defesa é que existem tantas pessoas com envolvimento maior nas investigações e nada aconteceu com elas. Thiago foi indicado para conversar com o advogado de Brasília. O prefeito é que passou para ele todos os dados da Operação Maximus. No entanto só o Thiago está preso. Pior, quase 60 dias se passaram sem que o pedido de revogação da prisão tenha sido apreciado.

COM A PALAVRA, O GOVERNADOR WANDERLEI BARBOSA

Quando foi alvo de buscas em seu gabinete e em sua casa, em agosto do ano passado, na Operação Fames-19, Wanderlei Barbosa alegou que, à época dos fatos sob investigação, era vice-governador e "não era ordenador de nenhuma despesa relacionada ao programa de cestas básicas no período da pandemia".

"Como todos já sabem, a única alusão ao meu nome em toda essa investigação foi a participação num grupo de consórcio informal de R$ 5.000,00 com outras 11 pessoas, no qual uma delas era investigada."

COM A PALAVRA, O ADVOGADO MICHELANGELO CORSETTI

Até a publicação deste texto, o Estadão buscou contato com o advogado Michelangelo Corsetti, mas sem sucesso. O espaço está aberto ([email protected]; [email protected]).