Decisão do STF quebra decisões tributárias definitivas

Decisão do STF impacta o bolso de pessoas físicas e jurídicas, gera um contexto de insegurança e abre precedentes para novas reinterpretações.

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Daniel Lara Moraes, Gabriel Placha e Larissa Pontelli. (Foto: Divulgação)

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, de forma unânime, pela “quebra” da coisa julgada no âmbito tributário. Ou seja, entendimentos até então definitivos sobre a cobrança de impostos, para os quais não caberiam mais recursos, podem ser revistos em caso de mudança de jurisprudência. O resultado disso é um cenário de insegurança jurídica e um risco bilionário nos caixas da iniciativa privada.

Uma vez que, de agora em diante, a Receita Federal tem carta branca para recolher impostos que foram contestados e considerados indevidos no passado, milhões de brasileiros, entre pessoas físicas e jurídicas, vão encarar débitos tributários gigantescos, dos quais haviam sido desobrigados.

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Daniel Lara Moraes, sócio do escritório BLM Advogados. (Foto: Divulgação)

De acordo com Daniel Lara Moraes, sócio do escritório BLM Advogados, os contribuintes brasileiros que, em ação judicial, obtiveram decisão favorável para o não pagamento de alguns tributos, sofrerão, e muito, se a Corte se pronunciar, a partir de agora, em sentido contrário.

“Eles não só terão que passar a recolher tributos, caso o STF, posteriormente e na sistemática de repercussão geral ou em sede de controle concentrado de constitucionalidade, venha a decidir que sua cobrança é constitucional, como também estarão sujeitos à cobrança ‘retroativa’, com correção e multa”.

Para justificar a decisão, o STF se baseou no argumento de que a isenção concedida a algumas empresas promovia injustiça tributária, ferindo princípios da isonomia e da livre concorrência.

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Gabriel Placha, sócio coordenador do Araúz Advogados. (Foto: Divulgação)

Gabriel Placha, sócio coordenador do Araúz Advogados, afirma que a interpretação é equivocada. Afinal, em casos de desequilíbrio concorrencial, as empresas podem buscar correção na Justiça.

“Precisamos considerar que todos têm acesso ao Judiciário para discutir análises. A ideia de equalizar a concorrência acaba sendo um argumento artificial. O próprio mercado tem seus aspectos de oferta e demanda. E, quem se ajusta, se organiza empresarialmente, com retaguarda contábil e fiscal, vai ter uma vantagem concorrencial sempre”.

O novo entendimento penaliza o setor privado ao possibilitar que tributos sejam cobrados retroativamente, acumulando cifras desde data da sentença anterior. Para o bolso do contribuinte, isso significa anos de tributação não recolhida que deve ser paga daqui para frente.

Sendo assim, o agravante da decisão, que por si só já é onerosa, está na opção dos ministros pela não aplicação da modulação de efeitos, em que as cobranças não teriam impacto retroativo, com multa e correção de juros.

Larissa
Larissa Pontelli, advogada do escritório Neder e Romano Advogados. (Foto: Divulgação)

De acordo com Larissa Pontelli, advogada do escritório Neder e Romano Advogados, o contexto de é extrema preocupação para o contribuinte.

“A ausência da modulação é o que mais impressiona no julgamento, pois seria razoável que os contribuintes pudessem se preparar para as novas regras do jogo”, explica.

Para o advogado Daniel Lara ainda complementa que a “quebra” é inédita, impactante e traz uma enorme insegurança jurídica, respingando na própria ordem econômica.

A decisão, possivelmente, refletirá de forma negativa nos investimentos realizados no Brasil, notadamente por investidores estrangeiros. No entanto, seus desdobramentos só serão conhecidos no futuro, com o passar dos anos”.

Por enquanto, as empresas que não recolheram a Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL) – imposto que incide sobre lucro e tem alíquota de 9% - nos últimos anos serão as mais afetadas. Em 1990, muitas iniciativas haviam conquistado na justiça o direito, sem possibilidade de recurso, de não pagar o tributo, considerado, à época, inconstitucional. O quadro mudou em 2007, quando um novo entendimento reconheceu a constitucionalidade da tributação. Com a modulação de efeitos, essas empresas devem 16 anos de recolhimento ao fisco, somados à multa e correção.

Embora a iniciativa privada seja a principal vítima da decisão, que conduzirá a um aumento na arrecadação fiscal, pessoas físicas tampouco estão a salvo. “O julgamento no Supremo Tribunal Federal afeta os contribuintes em geral, pessoas físicas e jurídicas. Por isso, é importante que os contribuintes fiquem atentos aos temas julgados em recursos repetitivos e monitorem a tramitação desses casos na Corte Superior”, afirma Larissa.

Outra recomendação é organização por parte dos contribuintes. “Eles precisam provisionar valores para um possível "efeito reverso" sobre as decisões judiciais definitivas que deixem de ter efeito após um julgamento posterior do STF em sentido contrário”, aconselha Daniel Lara.

Para além dos prejuízos financeiros, a tributarista Larissa Pontelli também ressalta a insegurança jurídica instaurada, uma vez que a “garantia da coisa julgada pouco importa”.

Placha, do Araúz Advogados, completa que não é apenas o ponto de vista tributário que está em jogo, mas o Direito como um todo.

"Permitir que sejam revistas situações que já estavam consolidadas no passado abre um precedente perigoso para que tudo possa ser rediscutido", alerta.
Aberto o precedente frente a CSLL, resta saber se a reinterpretação de coisa julgada se tornará uma tendência no STF.