Mulheres e homens têm estilos diferentes de liderar?

Estudo “Quebrando mitos sobre liderança e gênero” lança luz na discussão sobre até que ponto homens e mulheres teriam estilos diferentes de liderar.

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Tatiana Iwai e Gustavo M. Tavares, do Núcleo de Estudos de Comportamento Organizacional e Gestão do Insper. (Foto: Divulgação/Insper)

Em cargos de liderança, as mulheres tendem a ser mais amáveis, compassivas e benevolentes, enquanto os homens costumam ser mais enérgicos, autênticos e assertivos. Certo? Não é bem assim. Pelo menos de acordo com a percepção dos liderados, não há diferenças significativas entre mulheres e homens líderes em termos de atributos considerados importantes para ocupar posições mais altas na hierarquia das organizações, como competência, autenticidade, benevolência, humildade e integridade.

É o que revela o estudo “Quebrando mitos sobre liderança e gênero”, conduzido pelos professores Tatiana Iwai e Gustavo M. Tavares, do Núcleo de Estudos de Comportamento Organizacional e Gestão do Insper. O levantamento, realizado em duas etapas com uma amostra total de 1.464 profissionais de diferentes setores e níveis hierárquicos, buscou traçar as diferenças e similaridades entre líderes mulheres e homens. A pesquisa foi realizada em parceria com a empresa de consultoria em recursos humanos Robert Half.

“A motivação do estudo foi lançar luz na discussão sobre até que ponto homens e mulheres teriam estilos diferentes de liderar”, diz Tatiana Iwai. “E o que verificamos é que, de fato, existem mais similaridades do que as pessoas imaginam, mas há também diferenças importantes, que procuramos pontuar no estudo.”

No fundo, o estudo examina os estereótipos de gênero que estão disseminados no mundo corporativo e na sociedade. “Devido aos estereótipos e papéis de gênero historicamente construídos, muitas pessoas esperam que as mulheres sejam mais gentis, compassivas e benevolentes do que os homens, e tal expectativa poderia ser transferida para o contexto da liderança”, observa Gustavo M. Tavares. “Portanto, um dos objetivos do estudo foi analisar até que ponto as mulheres seriam penalizadas na carreira quando se comportam de uma forma incongruente com as expectativas que a sociedade criou sobre o papel de cada gênero.”

O estudo dos professores ajuda a quebrar dois mitos. O primeiro diz respeito justamente aos estereótipos de gênero — os resultados da pesquisa mostram que, na percepção dos liderados, tanto líderes mulheres quanto homens são vistos igualmente como competentes, autênticos, benevolentes, humildes e éticos.

O segundo mito é o que associa a liderança efetiva ao gênero masculino, ou seja, a crença de que os homens são mais talhados para ocupar cargos de liderança. Os resultados do estudo, no entanto, questionam esse mito ao apontar que, do ponto de vista dos liderados, homens e mulheres não apresentam diferenças em termos de legitimidade ou apoio para ocupar cargos de chefia.

Os autores do estudo ressaltam que esses mitos podem se tornar obstáculos para a ascensão das mulheres nas empresas. Ainda que associar comportamentos comunais à liderança feminina possa, à primeira vista, soar como positivo, essa associação pode trazer consequências adversas para mulheres.

“A expectativa de que mulheres sejam mais benevolentes e compassivas pode levar a julgamentos equivocados sobre quais projetos e tarefas elas estariam mais aptas a liderar. Em situações de trabalho mais conflituosas, com forte pressão de resultados e alta competição, por exemplo, mulheres podem ser vistas como ‘boazinhas demais’ para liderar. O resultado é que elas podem ser preteridas nestas alocações, limitando as experiências de liderança que elas precisam vivenciar e que serão fundamentais para seu desenvolvimento e ascensão”, diz Tatiana.

Diferenças de gênero

O estudo procurou avaliar também como homens e mulheres enxergam suas próprias competências e motivações para liderar. Os resultados indicam que ambos os gêneros são igualmente motivados a liderar, bem como percebem de forma similar ter as competências necessárias para o exercício da liderança.

No entanto, algumas diferenças entre gêneros emergiram nessa parte da pesquisa. Ainda que ambos os gêneros se vejam similarmente preparados para liderar, as mulheres demonstram ter maior preocupação em falhar do que homens quando percebem que não têm todas as competências necessárias para liderar. Essa diferença pode ser observada no mundo real.

“Um homem, por exemplo, pode achar que não tem habilidade interpessoal ou capacidade técnica para ocupar uma posição mais alta na empresa. Mesmo assim, ele se candidata ao cargo por entender que, de um jeito ou outro, vai conseguir dar conta. Já uma mulher se sente mais insegura em se candidatar caso julgue não ter todos os requisitos para ocupar o cargo. A pressão que sente para não falhar parece ser maior”, compara Gustavo.

Uma das consequências dessa maior preocupação em falhar é que, em geral, as mulheres se mostram menos proativas do que os homens na busca de uma promoção. Os professores lembram pesquisas realizadas pela Harvard Business Review e pelo LinkedIn mostrando que as mulheres se candidatam menos a cargos do que os homens, a menos que se sintam preencher 100% das qualificações exigidas para os cargos.

Esse menor engajamento na busca de promoções pode reduzir as oportunidades de progressão na carreira para as mulheres. “À medida que você vai subindo na hierarquia da empresa, a competição se torna mais acirrada. E, no jogo da promoção, é óbvio que os resultados contam, mas é importante também conseguir se ‘vender’ e mostrar que você está pronta para assumir posições mais altas”, afirma Tatiana.

Nos estágios iniciais da carreira, tanto homens quanto mulheres mais jovens não têm um nível muito grande de envolvimento com assuntos familiares e outros compromissos fora do trabalho. Mas, à medida que avançam na carreira, aparece outra diferença relevante entre os gêneros: as mulheres se tornam mais preocupadas do que os homens em equilibrar a vida pessoal e o trabalho. É fácil entender o porquê: as mulheres, em geral, acabam assumindo a maior parte das responsabilidades envolvendo os cuidados com a casa, os filhos e a família. É um obstáculo a mais para a ascensão das mulheres a cargos de alta liderança, que costumam exigir maior dedicação (e tempo) à empresa.

Segundo os professores, esse é um problema de difícil solução, uma vez que não se resolve unicamente no âmbito das empresas — é uma situação que decorre de como a sociedade se organiza e divide desigualmente as tarefas entre homens e mulheres. “O primeiro passo é reconhecer que esse problema existe”, diz Tatiana.

“O passo seguinte seria pensar em formas mais efetivas de promover um melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional, que é importante para toda a força de trabalho, mas sobretudo para as mulheres, que sofrem mais com esse problema. Isso envolve desde investir na implementação de arranjos de trabalho mais flexíveis, como o remoto ou o híbrido, até refletir sobre quão realistas são as metas estabelecidas e a carga de trabalho esperada.”