De dentro da porteira ao mercado de capitais, agronegócio discute critérios ESG

Exigências de investidores e da sociedade civil provocam reflexões nas empresas do setor

Rafaela Aiex Parra_Advogada agronegócioAdvogada Rafaela Parra, head da área Ambiental do Araúz Advogados. (Foto: Divulgação)

Empresas do agronegócio têm discutido como implementar os critérios ESG –conceitos ambientais, sociais e de governança que têm sido cada vez mais valorizados por investidores e instituições do cenário internacional.

Essa é percepção da advogada Rafaela Parrahead da área Ambiental do Araúz Advogados, escritório especializado no agronegócio, com oito unidades no Brasil. Em reuniões com representantes do setor, a especialista tem sido questionada, de forma curiosa e receptiva, não apenas sobre a implantação dos programas ESG no dia a dia das empresas, mas também como essa adequação pode significar aumento de lucratividade.

“A maior característica do agronegócio é sua operação em rede, interconectada. Portanto, a exigência ESG pode ocorrer em todas as fases, antes, dentro e depois da porteira. É importante lembrar que o ESG pode ser aplicado e exigido por todos, principalmente pela característica em rede da cadeia agroindustrial, na qual o fluxo das operações de exportação de commodities, por exemplo, pode ser exigido na ponta e, portanto, a adequação de todos os players deve ser realidade”, explica a advogada.

Para o presidente da Associação Paulista de Extensão Rural (APAER), Antônio Marchiori, “o crescimento significativo na última década do mercado de insumos biológicos, por exemplo, mostra que o futuro do agronegócio terá que investir em aproximar a pesquisa agropecuária e a assistência técnica e extensão rural, para viabilizar de forma ampla a agricultura sustentável regenerativa".

marcellaMarcella Ungaretti, analistas da XP. (Foto: Divulgação)

Pressão dos stakeholders no agro

De acordo Marcella Ungaretti e Leonardo Alencar, analistas da XP, respectivamente, para research de ESG e de Agro, Alimentos e Bebidas, a pressão do investidor tem sido um dos motores de mudança no setor de agronegócio.

“Os frigoríficos, por exemplo, estão sendo pressionados a rastrear a originação de sua matéria-prima desde seus fornecedores diretos, que vendem boi gordo para a indústria, até os fornecedores indiretos, que vendem bezerros para os diretos. Anteriormente, prevalecia apenas o monitoramento dos fornecedores diretos. Mais recentemente, com os investidores também pressionando para isso, algumas empresas produtoras de grãos começaram a planejar o momento que vão estabelecer desmatamento zero, proibindo também o desmatamento permitido por lei, que respeita as áreas de preservação para cada bioma brasileiro”, explicam os analistas.

Ainda, Marcella e Leonardo comentam que “outros agentes, como consumidores, sociedade e legisladores, também desempenham um papel importante no avanço da agenda ESG por parte das empresas”.

Leonardo AlencarLeonardo Alencar, analista da XP. (Foto: Divugação)

Quais empresas estão mais preparadas para o ESG?

Os analistas da XP destacam que há uma diferença razoável entre o nível de valorização dos fatores ESG para empresas listadas em relação à média setorial, mas para ambos os casos o setor tem avançado. “Questões como uso de água, perfil da ocupação das terras, proteção do meio ambiente, segurança do trabalho, qualidade dos produtos pela ótica nutricional, diversidade de gênero e raça nas posições de liderança, entre outros, têm tido cada vez mais destaque na agenda das empresas”.

Para a advogada Rafaela Parra, a adequação aos critérios ESG parece estar sendo mais fácil para “as empresas que tenham escopo de fomento social, adequação à legislação ambiental, projetos ambientais e, também, uma estruturação que obedeça a critérios de governança. Elas sem dúvida seguem um passo à frente”.

Marcella e Leonardo, da XP, reforçam que “cada área do agro, seja produção de grãos, pecuária, açúcar/etanol, algodão, etc., terá suas particularidades, o que se reflete diretamente nas empresas que atuam nesse setor. No geral, as empresas listadas em bolsa há mais tempo evoluíram mais nos critérios ESG do que a média do setor. Claro, há um viés nesta análise pela falta de transparência nas empresas não listadas: mesmo as empresas com as melhores práticas podem ser desconhecidas até entrarem no mercado de renda fixa ou variável e, assim, passarem a ser acompanhadas pelo mercado, e também pelas consultorias focadas nos critérios ESG”. 

Como implementar os conceitos ESG no agronegócio?

De início, segundo Rafaela Parra, é fundamental uma análise SWOT para verificar pontos de conformidade, ou não. “Definir o escopo de suas relações, com uma visão de rentabilidade a longo prazo. A partir daí, entender qual é o mercado com o qual se relaciona. Como não existe um critério universal de pontos ESG a obedecer, passar a seguir alguns medidores, como é o caso dos fornecidos pelo GRI, PRI, Anbima e etc”

Segundo os analistas da XP, outra iniciativa que tem tido sucesso é incluir indicadores ESG na remuneração variável da diretoria executiva da empresa. “Entretanto, não podemos nos esquecer de que esse é um processo em desenvolvimento, ou seja, a velocidade tem menor relevância desde que a direção esteja correta. Entendemos ESG como uma jornada, e não será do dia para a noite que todas as empresas estarão no estado da arte em termos de práticas ESG”, explicam.

Na empresa Kepler Weber, uma iniciativa em prol da eficiência e da sustentabilidade tem sido envolver o público interno em projetos. “A adoção de programas internacionalmente reconhecidos torna a operação mais eficiente e permite aos colaboradores sugerirem mudanças que contribuem para o melhor desempenho e economia de recursos naturais, como é o caso do aço. Foi assim que descobrimos que era possível fazer uma chapa que rendia seis peças passar a produzir 29, alterando o molde de corte. Com a redução do desperdício de aço em 8,6, obtivemos uma economia de R$ 2 milhões”, explica a gerente de Gente & Gestão da empresa, Misiara de Alcantara.

Segundo o presidente da APAER, "o Brasil tem cerca de 5 milhões de pequenas e médias propriedades, com área estimada de mais de 30 milhões de hectares. A agricultura familiar das pequenas propriedades ocupa 1/4 das terras agricultáveis do país e é reconhecida como responsável por mais de 70% da comida que chega à mesa dos brasileiros. Para que os projetos de governança com objetivos de impactos ambientais e sociais tenham sucesso é fundamental o uso de estratégias de extensão rural – levando em conta as diversidades culturais e econômicas desse segmento”.

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