Violência na Amazônia e liberação de armas criam novas pressões à segurança

A falta de um sistema nacional de segurança pública, aplicável em todo o país, foi apontada como um dos motivos que enfraquecem o Estado no combate ao crime.

Feature imageA falta de um sistema nacional de segurança pública, aplicável em todo o país, foi apontada como um dos motivos que enfraquecem o Estado no combate ao crime. (Foto: Divulgação/Insper Conhecimento)

 

“O Brasil tem 2,7% dos habitantes do planeta e 20,4% dos homicídios, ainda que a taxa de mortes violentas intencionais no Brasil esteja em queda desde 2017. Os mortos são homens predominantemente negros e jovens”, resumiu Rodrigo Soares, professor da Cátedra Fundação Leman do Insper e pesquisador responsável por abrir o painel “Segurança Pública e Defesa Nacional”, realizado no primeiro dia do evento “Políticas Públicas para um Brasil Melhor”, que faz parte das comemorações dos cinco anos do Centro de Gestão e Políticas Públicas (CGPP) do Insper.

De acordo com Soares, as maiores taxas de homicídios estão na região Norte, onde se localiza a maior parte da Amazônia Legal. É inclusive a única região do país que registrou crescimento na taxa de mortes violentas intencionais de 2020 para 2021. “São áreas associadas a crimes ambientais, como grilagem e mineração ilegal”, disse. Recentemente, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips foram mortos a tiros, com os corpos queimados e enterrados, durante uma expedição ao Vale do Javari, região da Amazônia que é palco de conflitos na floresta, como tráfico de drogas, roubo de madeira e avanço do garimpo.

Outro desafio, na visão de Soares, para a segurança pública são as mortes causadas por intervenção policial, que dobraram em uma década — na contramão das taxas gerais de homicídio. “A taxa de homicídio decorrente de intervenção policial é duas vezes maior do que a de homicídio geral dos países da Europa Ocidental”, disse o pesquisador. Há, ainda, o aumento expressivo da quantidade de armas nas mãos da população, o que pode ser observado nos registros para licença de armas que foram multiplicados por dez em um período de pouco mais de cinco anos.

“Foram mais de 40 medidas normativas desregulando o sistema de controle de armas. Vamos enfrentar a partir de agora uma situação difícil porque as armas permanecem por muito tempo na sociedade”, observou Melina Risso, diretora do Instituto Igarapé e que ocupou o mesmo cargo no Instituto Sou da Paz. “A desregulamentação não apenas permitiu que as pessoas pudessem ter mais armas, inclusive mais potentes ou letais, como também fragilizou o mecanismo de controle, de fiscalização”, completou. A constitucionalidade dessas medidas normativas está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal.

Segundo análise do Instituto Igarapé, houve aumento de mais de 200% no número de armas que passou a circular na Amazônia, nas mãos dos civis. Em algumas regiões amazônicas, o crescimento foi superior a 450%. No Brasil como um todo, o aumento foi de 130%. “É preciso lembrar que a política de armas faz parte da plataforma do atual governo. Isso prejudica a tomada de decisão para enfrentar os problemas de segurança pública, como esse da região amazônica”, disse o pesquisador Lucas Novaes, cientista político e moderador do painel.

Reestruturação

Para Claudio Beato, coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o país precisa de uma reestruturação da segurança na Amazônia nos moldes do que aconteceu nas regiões Sudeste e Nordeste. “Nos anos 70 e 80, a criminalidade estava concentrada no Sudeste, tendo migrado nos anos 90 e 2000 para o Nordeste, escolhendo agora a região da Amazônia. Para combater a criminalidade, a opção foi por fazer reformulações institucionais no sistema criminal e nas polícias, o que levou a uma diminuição dos crimes”, afirmou. Na Amazônia, por se tratar de um território extenso e de ausência da lei em algumas localidades, esse desafio de reestruturação, na visão dele, será maior.

“O problema é que o crime se nacionalizou e até mesmo se transnacionalizou, mas a segurança continua na mão dos estados brasileiros. Questões centrais de segurança pública, como vida e patrimônio, são de competência das polícias civil e militar, do Ministério Público estadual e da Justiça estadual. Essa estrutura, definida pela Constituição de 1988, não permite que tenhamos uma política central de segurança, já que caberia à União esse papel”, disse Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública. “A Constituição determina que a União fique com a Polícia Federal, que cuida apenas de alguns tipos penais, e com a Polícia Rodoviária Federal, que fiscaliza e monitora 70 mil quilômetros de rodovias federais.”

Na visão dele, a segurança pública deveria estar centralizada na União, o que permitiria formar realmente um sistema de segurança pública, com a definição de políticas de Estado que fossem aplicadas a todos os estados da federação. “O que chamamos hoje de sistema, na realidade, amplia, recicla e aprofunda a insegurança e a violência no Brasil”, afirmou Jungmann.

Fonte: Insper Conhecimento