Pesquisadores do FGV IBRE defendem criação de uma autoridade nacional para reforçar arcabouço estatístico brasileiro

Análise se baseia em somatória de problemas que vão de atraso no pagamento dos recenseadores à resistência de parte da população em responder à pesquisa.

Peocupante cenário é analisado pelos economistas do FGV/IBRE  (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Com dois anos de atraso devido à pandemia, a coleta de dados para o Censo Demográfico tem sido marcada por uma somatória de problemas que vão de atraso no pagamento dos recenseadores à resistência de parte da população em responder à pesquisa, o que levou ao abandono da atividade por parte dos 140,5 mil contratados pelo IBGE para o Censo. Com isso, o prazo de conclusão do trabalho foi estendido a dezembro, o que pode comprometer a qualidade do resultado.

Esse preocupante quadro que hoje ocupa o noticiário é a ponta de um histórico iceberg de descaso em relação à produção de estatísticas oficiais no Brasil, que no ano passado havia sido apontado ao Blog por Roberto Olinto, pesquisador associado do FGV IBRE. Naquele momento, o ex-presidente do IBGE já alertava para um aumento da negligência com o trabalho do Instituto no período recente, e que o orçamento então apresentado podia ser insuficiente para se fazer um Censo de boa qualidade.

Em 2016, matéria da Conjuntura Econômica sobre os 80 anos do IBGE (“A cara e o espelho”, pág. 60) ilustrava um diagnóstico similar, de que a evolução das estatísticas socioeconômicas que retratam o país tem sido conquistada pagando o sobrepreço da instabilidade orçamentária e de paralisações recorrentes, que afetam a gestão e o ritmo dos estudos. Uma realidade, dizem especialistas, que se contrapõe ao pioneirismo conquistado pelo Brasil no planejamento de seu sistema estatístico oficial. “O IBGE esteve no grupo das instituições de 50 países que primeiro adotaram as diretrizes de cálculo das Contas Nacionais que formaram o manual de 1968 das Nações Unidas. Também esteve entre os primeiros na adoção do sistema definido pela ONU em 1992”, lembrou à época Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do FGV IBRE. “Mas planejamos pouco e não valorizamos a instituição”, disse. Fato que, como apontou Wasmália Bivar, quando recém havia deixado a presidência do IBGE, atrasa o Brasil no investimento, por exemplo, em ampliar a capacidade de “conversa” entre registros administrativos de órgãos públicos e os dados do IBGE para a elaboração de novas estatísticas, importantes no apoio à formulação de políticas públicas nas mais diversas áreas, da segurança ao meio ambiente.

“Graças aos avanços tecnológicos, podem-se obter dados com mais facilidade e rapidez, e isso tem ampliado a demanda por estatísticas”, acrescenta Olinto. Mas, como lembra em artigo publicado na Conjuntura Econômica de outubro, em coautoria com o vice-diretor do FGV IBRE Vagner Ardeo, para se garantir a ampliação da produção estatística do país é adequado, primeiramente, completar a institucionalidade do arcabouço estatístico brasileiro. Tal como Considera, Ardeo e Olinto reconhecem que a legislação do país sobre o tema é boa. O problema, entretanto, é que parte dela não saiu do papel. Citam, por exemplo, que a lei que define o IBGE como coordenador do sistema estatístico nacional não definiu sua autoridade para exercer essa coordenação. O que enfraquece o órgão como definidor das regras e padrões a serem obedecidos em toda estatística que hoje é considerada oficial – da saúde ao planejamento energético, por exemplo. Sem um modelo padronizado, dificulta-se o cruzamento desses dados na elaboração de pesquisas e planejamentos.

“Quando me dediquei a estudar casos internacionais de estruturação de sistemas de estatísticas, como o do Reino Unido, ficou claro para mim a necessidade de se preocupar com o futuro do arcabouço brasileiro, para possibilitar uma produção estatística oficial ampla, integrando vários atores coordenados de fato pelo IBGE, sob um sistema com regras claras e auditáveis que garanta a qualidade, confiança e regularidade na produção desses dados”, descreve Ardeo. A partir daí, o vice-diretor do FGV IBRE, junto a Olinto, reuniu pesquisadores do FGV IBRE – entre os quais Manoel Pires e Claudio Considera – e convidados externos em um grupo de trabalho para pensar estratégias de fortalecimento para o arcabouço brasileiro. Uma das defesas a que os especialistas chegaram foi a da criação de uma autoridade estatística nacional, com o papel de regular e integrar a produção da informação oficial, sem retirar do IBGE a responsabilidade pela coordenação metodológica desse sistema.

No caso da autoridade estatística do Reino Unido, mencionada por Ardeo, trata-se de um órgão de Estado independente, e a ele ficam submetidas as instâncias produtoras de estatística de todos os ministérios, por exemplo – como o Datasus na Saúde, o Inep na Educação e a EPE na Energia –, além de outras fora do governo. Cabe a UK Authority, por exemplo, monitorar os padrões de todos os produtores de estatísticas, podendo descredenciar temporariamente aqueles que tenham desempenho aquém do previsto, que terão de se submeter a uma série de ações e uma nova avaliação para serem reintroduzidos no sistema oficial.  Ainda se espelhando nesse exemplo, o IBGE seria o braço coordenador metodológico, além de se manter como principal produtor de estatísticas e geoinformação do país.

“Nossa recomendação é que o governo que assumir o Brasil em 2023 se empenhe na criação dessa autoridade”, defendem Ardeo e Olinto no artigo da Conjuntura. Dessa forma, o país estaria em condições de, tal como nos países de referência na produção oficial de estatística, estabelecer um “ecossistema de dados” que integre todos os produtores e estimule a interação de diversos atores em trocar, produzir e utilizar dados. No artigo, eles também mencionam que tal iniciativa colaboraria para uma discussão orçamentária mais clara, o que ajudaria a mitigar um dos principais problemas hoje para a produção estatística no Brasil, evitando ser alvo fácil de contingenciamentos. E, ainda, fomentar uma cultura “que olhe a informação oficial como um ativo fundamental para se conhecer, pensar e planejar o país”.

 

Fonte: Por Solange Monteiro, do FGV/IBRE
Foto: Agência Brasil