Manoel Pires: 'Solução para o teto passa por uma acomodação fiscal que permita o crescimento real da despesa'

Sobre a revisão do arcabouço fiscal, Pires defende que a solução gira em torno de uma acomodação fiscal diferente do teto de gastos atual, que permita o crescimento real da despesa.

O cenário de inflação ficou muito ruim e devemos terminar o ano com a inflação ao redor de dois dígitos (Manoel Pires/Divulgação)Pesquisador associado do FGV IBRE Manoel Pires (Foto: Divulgação)

Da eficácia da política monetária à sustentabilidade das propostas para o fortalecimento da rede de proteção social, os principais temas que hoje permeiam a economia brasileira têm como variável o futuro da gestão fiscal. Não à toa, o destino das contas públicas tem aquecido os debates sobre como o governo que assumir o país em 2023 irá acomodar essa política, depois de um 2022 de forte expansão fiscal, pese a melhora do resultado primário do setor público – que somará o segundo ano no azul, depois de sete anos de déficit, bem como de redução da dívida bruta do governo federal como percentual do PIB. 

No especial da Conjuntura Econômica de outubro, o pesquisador associado do FGV IBRE Manoel Pires traçou um diagnóstico dessa melhora recente das contas públicas, lembrado que parte dos fatores que levaram a esse resultado são momentâneos. Além de outros ganhos derivados de represamentos como o de reajuste de salário de funcionalismo público e adiamento de despesas discricionárias. “De fato, houve uma melhora significativa, com um ajuste forte nas despesas com pessoal do governo federal, e as receitas cresceram com uma recuperação econômica mais forte. Por outro lado, alguns fatores não devem permanecer na mesma intensidade, como a inflação e o choque de preços de commodities com o câmbio bastante depreciado”, enumera. “Excluindo esses fatores temporários, ainda temos uma situação deficitária. Uma parte desse ajuste também tem impedido a execução de políticas públicas, e a classe política reage com o orçamento secreto que é uma reserva para promover políticas públicas com maior retorno político, não necessariamente social”, completa.

Resultado primário do setor público 
(% do PIB)


*Projeção. Fonte: FGV IBRE.

Em seu artigo, Pires aponta que melhoras estruturais que promovam a sustentabilidade do gasto público deverão vir de reformas como a administrativa e a tributária. Mas também da reformulação da regra fiscal, que aponta como o nó mais imediato a ser desatado. “Uma boa solução definirá se o governo iniciará bem, o que facilitará bastante as coisas para a frente”, afirma.

Sobre a revisão do arcabouço fiscal, Pires defende que “a solução gira em torno de uma acomodação fiscal diferente do teto de gastos atual, que permita o crescimento real da despesa, um pouco abaixo do que pensamos ser o crescimento do PIB de longo prazo”. Este ano, Pires escreveu, em coautoria com Fabio Giambiagi, um texto de discussão sobre perspectivas fiscais para a década no qual defende uma nova regra do teto de gastos que permita um crescimento da despesas, em termos reais, de 1,5% ao ano. “Isso seria suficiente para acomodar o conflito distributivo presente hoje no orçamento, mantendo a dívida pública estável em um cenário de 10 anos”, diz. No documento, Pires e Giambiagi ressaltam que o ajuste de despesas necessário para cumprir a regra do atual teto – sem o nível suficiente de reformas dos gastos obrigatórios –, colaborou para uma queda da despesa discricionária, em termos reais, de 45% entre 2014 e 2021. E dentro dessa rubrica, os investimentos públicos têm reconhecidamente servido como “variável de ajuste”, sofrendo severa retração desde 2016. No caso dos investimentos em infraestrutura, caindo para um terço do observado no início da década de 2010. Com isso, o aumento da atração de investimento privado apenas conteve a queda do investimento total no setor, quando este precisa ao menos dobrar para garantir uma infraestrutura adequada a atender as necessidades do país.

Pires considera que as sinalizações iniciais dos economistas envolvidos na campanha de Lula sobre o teto de gastos, de que a proposta de uma nova regra conteria um princípio contracíclico, é importante. “Vale estabelecer critérios para uma política fiscal anticíclica, principalmente em um país produtor de commodities muito exposto às flutuações da conjuntura internacional. A política econômica deve ser conduzida de modo a atenuar as flutuações, ao invés de exacerbá-las”, diz. “O outro princípio importante, dentro da regra de despesas, é como tratar o surgimento de passivos contingentes, como no caso dos precatórios. É importante ter uma regra clara e mais bem definida para esse tópico, também para evitar contratempos”, afirma. Mas o pesquisador reforça a mensagem de seu artigo de que a regra fiscal sozinha não resolverá os dilemas alocativos do país. “Essa é uma falha na forma como se pensa política fiscal no Brasil hoje em dia, ao colocar todo o peso de uma discussão complexa nesse tópico. Daí a importância de outras reformas”, diz, citando a administrativa e a tributária, colaborando para “uma melhoria no cenário fiscal de longo prazo a partir de mais crescimento econômico, taxa de juros reduzida e melhora gradual do resultado primário”.

Despesas discricionárias: R$ bilhões constantes de 2021
 (critério “pagamento efetivo”)


Deflator: Deflator PIB. Fonte: STN.

 

Investimento público: Governo Federal (% PIB)


Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Para 2022, projeção do Orçamento.

 

Fonte: FGV/IBRE