Litígio Zero estimula renegociação de dívidas, mas é classificado como imediatista

Especialistas analisam eficiência de retomada econômica em longo prazo, necessidade de um planejamento tributário com debate civil e como será a aderência ao Programa.

Para o boletim informativo (10)Especialistas analisam programa Litígio Zero e sua capacidade de recuperar a saúde financeira do país. (Foto: Divulgação)

Com início na última quarta-feira (1) e válido para adesão até 31 de março, o programa Litígio Zero tem como objetivo estimular a renegociação de dívidas tributárias de pessoas físicas e jurídicas, afastando processos administrativos. Outro alvo da proposta é uma possível retomada econômica. No entanto, desde a publicação da portaria, no dia 12 de janeiro, a ação tem gerado debates sobre sua capacidade de recuperar a saúde financeira do país, bem como de aumentar investimento, consumo, e geração de empregos em longo prazo.

“Embora o propósito seja louvável, as medidas possuem um viés imediatista, com resultados para o problema pontual de caixa do Governo Federal, mas, cuja ausência de planejamento em longo prazo poderá minar a pretensão de retomada da economia”, explica Sonia Marques Döbler, sócia-fundadora do escritório de advocacia homônimo.

Pensando em limitações e na incerteza de aderência significativa ao Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal (PRLF), apelidado de Litígio Zero, ainda é cedo para prever se resultado será efetivo e se servirá de estímulo à retomada da economia, acrescenta a advogada.

A iniciativa é a primeira rodada de negociações de transação tributária implementada pelo novo Governo Federal e uma das frentes do Pacote de Medidas Fiscais do Ministro da Fazenda Fernando Haddad, cujo objetivo é diminuir a litigiosidade junto a Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ) e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), além de promover a renegociação de pequeno valor no contencioso administrativo ou inscrito em dívida ativa da União.

Porém, como alerta a advogada, faltam proposições menos “prematuras” que passem por um debate civil prévio.

“Há muito se aguarda um projeto de retomada que envolva uma reforma tributária de fato efetiva, com mudanças na tributação do consumo e aumento das faixas de isenção da tributação da renda. Contudo, as propostas de medidas fiscais anunciadas pelo novo Governo Federal ainda não trilham por este caminho”, avalia a advogada.

Döbler argumenta que, mesmo que o Programa do “pacote Haddad” resulte em uma melhora econômica, o direcionamento dos conflitos tributários ao Judiciário, composto majoritariamente por ações de natureza fiscal, é insatisfatório e não se alinha às tendências mundiais de resolução de litígios.

“Esse contexto é bem exemplificado pelo retorno do voto de qualidade no CARF, advindo da MP 1.160/2023, bem como pelas sinalizações de que a Fazenda Nacional passará a recorrer ao Judiciário quando derrotada em âmbito administrativo”.

Com a mesma percepção, Daniel Zugman, sócio tributário do BVZ Advogados, confirma que, embora haja uma expectativa de fomento econômico, além da extinção de dívidas, a ideia central é mesmo melhorar o fluxo de caixa da União. Afinal, algumas limitações da PRFL chegam a elevar o valor do crédito tributário.

“Ao inscrever o crédito em dívida ativa, o débito do contribuinte sofre automaticamente um acréscimo equivalente a 10% de seu valor como forma de remuneração ao serviço de inscrição, aumentando, por tanto, a arrecadação”, explica.

Benefícios do Programa e judicialização

Os benefícios entregues pela iniciativa do Governo Federal giram entorno da concessão de descontos sobre o valor total da dívida, o aproveitamento do prejuízo fiscal, cancelamento de multa e o parcelamento, em até doze vezes, dos pagamentos.

"Os descontos - que variam conforme os devedores envolvidos, o grau de recuperabilidade do débito e o prazo de pagamento do montante – podem alcançar reduções de até 100% do valor dos juros e das multas, desafogando pessoas e empresas”, detalha a advogada.

Para pessoas naturais e micro e pequenas empresas que possuam débitos de até 60 salários-mínimos, e que não sejam oriundas do Simples Nacional, o PRLF oferece o parcelamento em até doze prestações, independente da recuperabilidade ou da capacidade de pagamento.

“As parcelas são extensíveis àqueles inscritos em dívida ativa da União há mais de um ano. Neste grupo de contribuintes, os descontos podem chegar até 50% do valor total do débito”, descreve a advogada do  BVZ Advogados, Thayna Parada Ferreira.

O especialista esclarece que no caso dos créditos tributários federais dessas mesmas pessoas físicas e jurídicas com recurso pendente de julgamento administrativo, o Programa “prevê a possibilidade de transação com ou sem entrada, sendo que os benefícios podem alcançar descontos de até 65% do valor do crédito tributário, podendo ser parcelado em até 12x”.

É importante ressaltar que, embora as condições pareçam vantajosas, seus diversos modelos e formatos podem ferir a própria função da medida: facilitar renegociações.

“A opção por diferentes abordagens de adesão ao programa pode, na realidade, resultar em uma tendência de judicialização, que é o que sucedeu com o PERSE – Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos”, expõe Döbler.

Para Zugman, o pequeno número de parcelas, especialmente daqueles que têm dificuldades de fluxo de caixa, ainda podem desabonar a adesão de contribuintes – e disto depende o sucesso da empreitada.

Outro limite citado pelo advogado é a impossibilidade de inclusão de créditos de litígio administrativo não iniciado ou daqueles que tenham encerrado em desfavor do contribuinte e não constam em dívida ativa da União.

Aderência ao Litígio Zero

Döbler conclui que, mesmo com pontos assertivos, ainda é cedo para prever uma aderência significativa de contribuintes ou garantir uma retomada econômica por meio do PRLF, já que essa é a primeira rodada de negociação de transação tributária adotada pelo novo Governo no pacote de medidas fiscais imposto pela Medida Provisória 1.160/2023.

A MP também confere à Receita Federal a competência para ofertar novos métodos preventivos de autorregularização e programas de conformidade. Mas ao que tudo indica, o novo Governo manterá a tendência de privilegiar as soluções alternativas de equalização do passivo em detrimento dos programas de refis, com descontos e parcelamento, o que pode ser injustificado por não diferenciar os perfis dos contribuintes.

“Os programas de refis em geral consistem, basicamente, em parcelamentos especiais cujos descontos são universais e aplicáveis sem distinção a todos os contribuintes elegíveis. Já a transação é uma ferramenta mais adequada do que o refis, porque é uma medida que tenta ser mais justa nesse sentindo, procurando calibrar os benefícios de acordo com o perfil do contribuinte e da dívida”, explicou Zugman.

A adesão ao PRLF será de forma eletrônica, via acesso ao portal e-CAC dos contribuintes, maneira simplificada para concluir o procedimento.

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