Gabriel Barros: Se novo governo defender reforma tributária sem sinalizar revisão de gasto, implicações serão negativas para cenário de juros e dívida

Economista avalia os desafios que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva tem pela frente.

Gabriel Barros - Pedro França Agência Senado
Gabriel Leal de Barros é sócio e economista-chefe da Ryo Asset. (Foto: Pedro França/Agência Senado)

Com o anúncio da equipe de governo em andamento, os sinais que vão se formando sobre o programa econômico da terceira gestão de Lula a partir do debate da PEC da Transição suscitaram alertas quanto a uma tendência de priorização de gastos. Tal como mencionado no IV Seminário de Análise Conjuntural do FGV IBRE na semana passada, seja por características cíclicas – suceder um forte período de recuperação pós-Covid, que em 2022 foi puxado pelo setor de serviços – seja de política monetária, que opera juros altos para domar a inflação, o primeiro ano do novo governo deverá ser marcado por baixo crescimento para domar a inflação, e uma política focada em gastos já em 2023 poderá provocar o efeito contrário na dinâmica do PIB, na medida em que torna o contexto inflacionário mais difícil de ser debelado. 

Em reunião com pesquisadores do FGV IBRE nesta segunda-feira, Gabriel Leal de Barros sócio e economista-chefe da Ryo Asset, reforçou esse diagnóstico, afirmando que, ao anunciar sua estratégia econômica, o novo governo terá de ser cauteloso em comunicar suas prioridades. “Se defender uma reforma tributária sem sinalizar revisão de gasto, as implicações serão negativas para cenário de juros e dívida”, diz.

Na conversa, Barros ressaltou que, apesar da queda do nível da dívida bruta do governo geral (DBGG) como proporção do PIB observada recentemente – que chegou a beirar 90% e hoje está em 77% – a composição dessa melhora esteve concentrada nas operações compromissadas, que são essencialmente de natureza monetária e, portanto, não refletiram uma melhora fiscal. E mesmo que a dinâmica positiva do PIB nominal tenha ajudado a conter a trajetória da DBGG, lembrou, o custo de rolagem ficou mais “salgado” nesse período, e hoje já se aproxima de 4,5% real.  Essa evolução é explicada especialmente pela parcela da dívida atrelada à Selic, que representa 47% do total. “Como a Selic subiu bastante e o Tesouro tem que entrar com novas emissões, a tendência é de que a contribuição dos outros indexadores também passe a ganhar terreno”, afirma.

Alívio na DBGG contou com redução de Operações Compromissadas


Fonte: Ryo Asset.

Barros também destacou o perfil de vencimento do estoque dessa dívida, indicando que quase 70% vencem nos próximos 5 anos – e 30% vencem nos próximos 12 meses. Esses prazos, afirma, condicionam o tempo que o novo governo terá para comunicar seu plano de ação no campo econômico e ancorar as expectativas do mercado. “Tem muita dívida vencendo até setembro de 2023. Se o novo governo usar bem os primeiros seis meses, o Tesouro poderá recompor esse colchão emitindo papeis em melhores condições; se a comunicação não for bem-sucedida, porém, a curva de juros ficará mais pressionada, e essa operação ficará mais cara”, diz.

Barros afirma que a sinalização de uma âncora fiscal crível para estabilizar a dívida não será simples. O economista realizou um exercício no qual simulou a aplicação de sete alternativas de regra fiscal, entre mais frouxas e mais rígidas, a partir de um grupo de dez premissas, entre elas para PIB, inflação, juro real e receita. Começou pela regra atual, incluindo possibilidades de aumento real do gasto variando de 1%, 1,5% e 2%. Também trabalhou com uma regra que leva em conta o centro da meta de inflação definido pelo Banco Central mais 1,5% de crescimento real, que é o limite superior da banda da meta. À qual, por sua vez, também somou duas possibilidades: uma em que excetua o gasto com seguro-desemprego  (que em 2023 representaria R$ 45 bilhões) – combinação que já havia comentado em conversa anterior para o Blog, ressaltando o benefício de ser convergente com a política monetária e garantir um componente anticíclico –; e outra em que também tira do teto um limite de despesas com investimentos (que em 2023, somado ao seguro-desemprego, totalizaria R$ 75 bilhões). O resultado, diz Barros, é que em nenhum dos casos, excetuando apenas a regra atual, mais dura, observa-se estabilidade da dívida num horizonte de dez anos. “Pensar em uma nova regra que não leve em conta um crescimento real de despesas, entretanto, parece politicamente pouco provável”, afirma. 

Custo de rolagem da DBGG está próximo de 4,5% real


Fonte: Ryo Asset.

30% da DBGG vence em 12 meses


Fonte: Ryo Asset.

Por isso, o economista defende atenção do governo com uma revisão de gastos. “É importante, principalmente, que o crescimento real das despesas nos próximos anos não seja acima do PIB potencial; caso contrário, continuará rodando acima da capacidade do país”, afirma. Barros defende que um bom começo seria pelas rubricas que já foram bastante discutidas nos últimos anos, como uma reforma administrativa, extinção gradual do abono e fusão de políticas sociais. No caso da reforma administrativa, Barros afirma que uma mudança que contemple redução do salário de entrada de novos servidores, revisão da sistemática de promoções e extensão do tempo que o servidor leva para chegar ao salário de final de carreira – que hoje é de 8 anos em média – poderia representar uma economia de R$ 207 bilhões em 10 anos. Para as reformas no campo social, Barros menciona como referência levantamento realizado pelo Banco Mundial em 2017 que apontava uma sobreposição de políticas em média de 20%. E, no caso do abono salarial, mesmo realizando uma reforma parcial, que ainda mantenha o benefício para trabalhadores que recebem até 1 salário-mínimo (hoje ó teto é de 2 SM), tal mudança geraria uma economia de cerca de R$ 280 bilhões entre 2024 e 2033.  

“O potencial é grande, são temas que já estão em debate há algum tempo e seriam um bom ponto de partida. Como disse, a forma de comunicação com o mercado nesse início de governo afetará a percepção sobre toda a agenda. E caso se fale de reforma tributária sem mencionar revisão de gastos, as implicações poderão ser negativas”, reforça.

Economia potencial de medidas pelo lado do gasto (R$ bi)


Fonte: Ryo Asset.


Fonte: FGV/IBRE