Claudio Conceição, da FGV: riscos fiscais

Com relação ao fiscal, os números este ano surpreendem, como mostra a Carta do IBRE que será publicada na edição deste mês da revista Conjuntura Econômica

Todas as previsões de que a situação fiscal esse ano teria uma forte deterioração foram por água abaixo. O mesmo correu com a atividade econômica que, depois de projeções sombrias no final do ano passado e começo deste, surpreendeu positivamente no primeiro semestre. Depois de crescer 1,1% no primeiro trimestre, a economia brasileira manteve sua tração, crescendo 1,2% no trimestre seguinte, fechando o semestre com uma expansão da ordem de 2,5%. Com isso, embora ainda existam muitas dúvidas se o vigor da economia vai se manter nesses seis últimos meses, as projeções estão sendo revistas para cima, com expansão do PIB oscilando na casa dos 2,5% a 3,5%.

Com relação ao fiscal, os números este ano surpreendem, como mostra a Carta do IBRE que será publicada na edição deste mês da revista Conjuntura Econômica. Como aponta a Carta “o saldo primário do setor público acumulado em 12 meses, que chegou ao recorde negativo de -9,33% do PIB em janeiro de 2021, transformou-se em superávit de 2,48% em julho de 2022, o melhor resultado desde junho de 2012. Já a dívida bruta do governo geral (DBGG) caiu de 89% do PIB em fevereiro de 2021 para 77,6% em julho de 2022, voltando praticamente ao nível de março de 2020, antes dos gastos excepcionais relacionados à Covid-19. As expectativas para a relação DBGG/PIB ao fim de 2022 recuaram cerca de 11 pontos porcentuais desde meados do ano passado, apontando algo em torno de 79% em dezembro”.

Brasil: resultado primário do setor público consolidado
Acumulado em 12 meses, em % do PIB


Fonte: BCB.

 

Projeção de consenso para a DBGG/PIB no final de 2022
Em %


Fonte: Focus/BCB.

Mas se esse ano as coisas andaram melhor do que todas as previsões, 2023 é um poço de incertezas, como ocorrem com as previsões sobre a atividade econômica.

Levantamento feito pelos pesquisadores associados do FGV IBRE, Manoel Pires e Braulio Borges, apontam os riscos e incertezas que pairam sobre as contas públicas que apontam para uma piora do quadro fiscal:

• Teto dos gastos: Já foi furado muitas vezes. E o ano que vem as coisas devem ficar piores. Nas contas dos dois pesquisadores deve haver um crescimento de R$ 64 bilhões nos gastos em 2023 devido a expansão do maior número e aumento de valores pagos no Auxílio Brasil; R$ 20 bilhões de reajuste linear para o funcionalismo público.

• O segundo ponto levantado por Pires e Borges, relativa à receita primária, é uma perda de R$ 27,4 bilhões de receita de IPI em 2023, relativamente a 2022, por conta da desoneração da incidência desse tributo sobre diversos produtos: R$ 14 bilhões são a perda federal, já que parte do imposto é transferido a Estados e municípios. O reajuste da tabela de Imposto de Renda – também promessa de candidatos após longo período de corrosão inflacionária das faixas de rendimento de isenção e de alíquotas crescentes – representa perda de receita em 2023 de R$ 20 bilhões, dos quais R$ 10,2 bilhões dos cofres federais. Também a redução das alíquotas de PIS/COFINS sobre etanol, gasolina e diesel significa perda de receita da ordem de R$ 52,9 bilhões em 2023, caso venha a ser renovada, decisão que dependerá naturalmente do cenário inflacionário no final do ano e do acordo relativo à aplicação do teto de ICMS sobre esses itens que está em discussão no STF

• O terceiro ponto: as suspensões de pagamento de dívida com a União – apoiadas em liminares do Supremo, que vêm sendo sistematicamente concedidas para esse fim – por parte dos Estados que já anunciaram que vão fazê-lo. Nesse caso, a perda prevista para o governo federal em 2023 é de R$ 25 bilhões.

• E, por último, o quarto ponto de aumento de riscos fiscais, segundo Pires e Borges, dividido em duas partes: 1) o da normalização da arrecadação ligada ao petróleo, que pode ser reduzida em R$ 62 bilhões em 2023, em relação a 2022, caso o barril retorne ao nível de US$ 85 e a taxa de câmbio a 5,0 R$/US$; 2) os precatórios. Para os dois economistas, supondo que o montante devido em 2022 e adiado se some aos novos precatórios de 2023, chega-se a um pagamento adicional, no próximo ano, de R$ 57,59 bilhões; 3) outro risco é de que os Estados consigam ganhar na Justiça a compensação que julgam adequada – maior do que a estipulada pelo governo federal – pelas perdas com a imposição do teto do ICMS para combustíveis, energia, telecomunicações e transporte público. Nesse caso, serão mais R$ 32 bilhões de piora fiscal.

Como diz a Carta, “no total, os dois economistas identificaram impacto de piora no resultado primário federal de R$ 206,2 bilhões (2,0% do PIB), impacto não primário de piora fiscal de R$ 25 bilhões (0,2% do PIB) e riscos fiscais de R$ 151,6 bilhões (1,5% do PIB). A soma dos três itens é de R$ 382,7 bilhões, ou 3,7% do PIB. A esses valores pode-se somar a ampliação dos gastos financeiros com o aumento da taxa de juros. Borges estimou que a piora das condições financeiras eleva essa despesa em R$ 52 bilhões, o que, somado aos outros itens, totalizaria 434 bilhões, aproximadamente 4,2% do PIB”.

Ver a íntegra da Carta do IBRE.

 

 

Fonte: FGV/IBRE