Incidência do Imposto Seletivo na comercialização de carros elétricos

Proposta ruma de maneira controversa aos compromissos assumidos pelo Brasil em acordos internacionais, desestimulando a aquisição de veículos elétricos.

André Luis Cordeiro GomesAndré Luis Cordeiro Gomes, advogado no Araúz Advogados. (Foto: Divulgação)

 


Com a publicação do texto substitutivo do projeto de Lei Complementar da Reforma Tributária (PLP 68/2024), há vários pontos questionáveis. Entre estes pontos, comentaremos a incidência do Imposto Seletivo, também conhecido como o Imposto do Pecado, sobre os carros elétricos.

Com a inclusão do § 3º no art. 145 da Magna Carta, pela Emenda Constitucional nº 132/2023, o Sistema Tributário Nacional passou a observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente, sendo este último o cerne da discussão acima.

Corroborando com o artigo supracitado, ainda no texto constitucional, é certo afirmar que o imposto seletivo, incluído no inciso VIII, art. 153 pela mesma Emenda Constitucional, incide sobre a “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”, in verbis:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(omissis)
VIII - produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar. (Destacamos)

Baseando-se no texto constitucional, o art. 404 do PLP nº 68/24, elenca em seu parágrafo primeiro e na lista do Anexo XVIII, de maneira taxativa, os bens e serviços que são considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

Ao analisar o texto do § 1º e a lista de bens e serviços sujeitos ao Imposto seletivo, nota-se que carros elétricos estão dentro da hipótese de incidência do “IS”, o que acabou trazendo surpresa à população em geral em razão da aparente incoerência ao se incluir os veículos elétricos - que, supostamente, são ambientalmente corretos -entre os bens tributados por um imposto que visava atingir somente aqueles prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

O Deputado Hildo Rocha (MDB-MA) justificou a inclusão deste item em razão do impacto ambiental das baterias. “É um carro que, do berço ao túmulo, polui. Principalmente no túmulo. Então, ele não poderia ser diferente na sua tributação, no Imposto Seletivo, em relação aos carros à combustão”,

Como demonstrado, o argumento mais utilizado para inclusão de carros elétricos na hipótese de incidência do tributo, é a de que a reciclagem das baterias destes veículos envolve processo extremamente complexo e danoso ao meio ambiente, já que o Brasil não contaria com estrutura interna adequada para gerenciar e realizar o devido descarte das substâncias tóxicas que as compõem.

Contudo, a reciclagem é uma obrigação dos fabricantes e vendedores dos veículos elétricos. Conforme o art. 33, da Lei 12.305/2010 , que atribui às empresas fabricantes de pilhas e baterias a obrigação de estruturar um sistema de logística reversa. Sendo assim, o próprio sistema jurídico brasileiro soluciona o problema apresentado pela Câmera dos Deputados.

Sem dúvida alguma, esta obrigação é um dos fatores que torna os preços dos veículos elétricos muito superiores aos preços de veículo convencionais. E, se o consumidor já paga o preço pela correta destinação ambiental dos descartes no momento da aquisição do bem, não haveria justificativa para, além disso, tributá-los mais onerosamente.

Ademais, a Associação Brasileira do Veículo Elétrico se manifestou contra a inclusão de veículos elétricos no Imposto Seletivo, ponderando que tal incidência é um equívoco conceitual, gerando um retrocesso significativo para a mobilidade sustentável no Brasil.

Visto isto, a proposta aprovada pela Câmara dos Deputados ruma de maneira controversa aos compromissos assumidos pelo Brasil em acordos internacionais, desestimulando, por meio da alta tributação, a aquisição de veículos elétricos, o que acaba por impulsionar a venda de veículos que utilizam combustíveis fósseis.

Ressalte-se, por fim, que as mudanças em relação ao texto original do governo não são definitivas, podendo o projeto receber emendas durante a tramitação em plenário.