Simone Tebet: 'Tem de abarcar todas as prioridades, sem deixar de ficar de olho na dívida pública'

Em meio à apuração dos atos golpistas e à criação de meios para fortalecer a defesa da democracia, novo governo Lula indica prioridades na área econômica,mudança na agenda exterior e reforço da pauta ambiental

A ministra do Planejamento e Orçamento do Brasil, Simone Tebet aponta os rumos para um país estruturalmente mais forte e transparente. (Foto: Divulgação/Agência Brasil)

Em resposta aos atos golpistas de 8 de janeiro, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) trabalha para aprovar o futuro “Pacote da Democracia”. O governo pretende apresentar ao menos dois projetos de lei e uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para enrijecer a legislação. Em relação aos crimes contra a ordem democrática, a proposta prevê penas aumentadas, mas ainda não há consenso sobre a dosagem. Atualmente, por exemplo, o Código Penal prevê pena de quatro a oito anos de prisão para quem “tentar, com emprego da violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito”.

Com a justificativa de evitar novos ataques contra as instituições, a ideia é que o pacote seja apresentado ao Congresso rapidamente após a volta do recesso legislativo e a posse de parlamentares eleitos e reeleitos.

Em outro sentido, o novo governo tem focado nas iniciativas do Ministério da Economia, que concentrou superpoderes durante o mandato de Jair Bolsonaro e foi novamente desmembrado em ministérios da Fazenda, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), além de uma pasta nova de Gestão e Inovação em Serviços Públicos.

Já a senadora Simone Tebet, ao assumir o comando da pasta do Planejamento e Orçamento, outro ministério recriado por Lula, disse que os pobres serão tratados com prioridade no orçamento público. “Passou da hora de dar visibilidade aos invisíveis. Tem de abarcar todas essas prioridades, sem deixar de ficar de olho na dívida pública”. A ministra também destacou que pretende conciliar as promessas de governo e os programas sociais com a responsabilidade fiscal.

Nova fase

A recriação do MDIC e a nomeação do vice-presidente-eleito, Geraldo Alckmin, para comandá-lo, sinalizam para uma condução firme e engajada da pasta pelo fortalecimento do setor produtivo industrial. Esta é a avaliação do presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade. Para a CNI, o novo ministério tem como principal desafio construir uma política industrial moderna, de longo prazo, atenta à transição do Brasil para uma economia de baixo carbono e em sintonia com o que está sendo feito pelas principais economias do mundo nessa área. A entidade defende que a política industrial a ser implementada precisa contemplar uma estratégia nacional para a inovação, fator fundamental para o ingresso do país na 4ª Revolução Industrial, que já está em curso.

Além disso, deve promover o fortalecimento do comércio exterior, com recomposição dos instrumentos de financiamento e garantias, além ampliar a participação do Brasil nas cadeias globais de valor, aproveitando as vantagens competitivas do país. Segundo Andrade, Alckmin conhece as prioridades da agenda de desenvolvimento do país e da indústria e o que precisa ser feito para reverter o processo precoce de desindustrialização da nação.

Robson CNIRobson Braga é presidente da Confederação Nacional da Indústria (Foto: Reprodução / CNI)

“O MDIC estará em muito boas mãos. O futuro ministro é um político hábil, com a experiência de ter governado o estado mais industrializado do país e conhecimento do que é necessário para o desenvolvimento e o fortalecimento da indústria”, afirma o presidente da CNI.

Sem indústria forte, não há país forte

Robson Andrade afirma que o Brasil precisa de uma política industrial de longo prazo, sólida, eficaz e que faça com que a indústria brasileira tenha retomada consistente e sustentável. “A recuperação da economia nacional passa por melhores condições para a indústria recuperar seu fôlego, voltar a produzir em plena capacidade, competir de maneira mais eficiente e voltar a crescer”, explica

Cenário de Incerteza

O Índice de Confiança Empresarial (ICE) caiu 0,8 ponto em dezembro do ano passado, ficando em 90,7 pontos.É o menor nível desde abril de 2021, quando o indicador ficou em 89,6 pontos. Em médias móveis trimestrais, o ICE registrou queda de 3,6 pontos. A economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Viviane Seda Bittencourt, disse que houve uma desaceleração na queda do indicador, diante da transição governamental.

“A percepção sobre a situação atual e perspectivas se mantém em compasso de espera frente às decisões sobre a condução da política econômica do novo governo”, afirmou ela. “Apesar de uma percepção de melhora no setor industrial relacionada à ligeira recuperação de demanda e redução de estoques, a piora do setor de serviços foi o responsável por jogar a confiança para baixo em dezembro.

A segurança das empresas melhora para mais de 50% dos segmentos pesquisados, mas isso não é suficiente para garantir sua sustentação nos próximos meses. O cenário de incerteza contribui para essa paralisação no momento”, argumentou.

Agenda Global

Em seu discurso de posse, o novo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou o compromisso de reconstruir a diplomacia brasileira. Prometendo reconduzir o Brasil ao “grande palco das relações internacionais”.

Futuro ministro das Relações Exteriores arma retaliação contra colegas -  Diário do PoderO ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira. (Foto: Divulgação)

“A política externa voltará a traduzir em ações a visão de um país generoso, com mais justiça social”, declarou Vieira, chanceler em 2015 e 2016 no segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff. Entre os fóruns que o novo governo pretende reforçar, disse Vieira, estão a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

O chanceler também assumiu compromisso com a transição para energias limpas e com o respeito aos acordos internacionais sobre o meio-ambiente.

“Isso exigirá diplomacia ambiental e climática de primeira grandeza”, declarou. Vieiraprometeu levar adiante a proposta apresentada por Lula em novembro, na Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), de organizar uma reunião de cúpula sobre a Amazônia no Brasil.

Apesar da intenção do governo brasileiro de retomar o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, fechado em 2019, mas ainda não ratificado por diversos países, Vieira disse que manterá o diálogo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para o processo de adesão do Brasil ao grupo, que exige o cumprimento de diretrizes econômicas, políticas, ambientais e sociais.

Retomada externa

Márcio Coimbra, presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica e Coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB), avalia que a política externa de Bolsonaro se iniciou com uma grande guinada. Porém, com o transcorrer de seu governo, tornou-se inconsistente e volúvel, moldando-se de acordo com amizades e conveniências do chefe.

“Nas mãos de Lula, veremos uma nova mudança, reorientando a posição internacional do Brasil em vários temas, agindo de forma multilateral como forma de reencontrar seu protagonismo”, indica.

Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007), além de Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal, Coimbra garante que veremos a retomada de uma agenda que já foi implementada no passado, porém com algumas nuances que merecem atenção, a começar pelo Meio Ambiente. “Está muito claro que o novo governo usará a retomada da liderança ambiental do Brasil no cenário externo como fio condutor de uma nova postura em outras frentes. Se no passado o combate à fome foi o cartão de visitas de Lula na arena externa, dessa vez, essa tarefa caberá ao Meio Ambiente e a agenda climática”, detalha.

“A postura multilateral assumirá estratégia decisiva e a retomada da postura colaborativa nos fóruns internacionais voltará a ser o caminho trilhado por nossa diplomacia. Um retorno que já está sendo celebrado em diversos organismos, uma vez que a liderança brasileira seja pela territorialidade do país, sua biodiversidade e profissionalismo de nossa diplomacia, pode destravar pautas importantes que estavam à margem do Brasil diante da postura do presidente que agora se despede do poder”, completa.