Jessé de Souza: democracia não significa só o voto, é também o voto consciente

União entre imprensa livre, instituições independentes e gestores públicos será fundamental para trazer de volta o de pertencimento que eleva a defesa da democracia.

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

imagem_2022-12-11_152554801Leitura da Carta às Brasileiras e Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito, na Faculdade de Direito da USP. (Foto: Agência Brasil)

Largo São Francisco, centro de São Paulo, quinta-feira, 11 de agosto de 2022, 10 da manhã. Naquele momento, importantes instituições sinalizaram total rejeição ao autoritarismo e endossaram a verdadeira ode à democracia com a leitura da “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito”, elaborada pela Faculdade de Direito da USP e assinada por professores, alunos, ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), banqueiros, candidatos à Presidência e membros da sociedade civil.

Na ocasião, também foi lido o manifesto “Em Defesa da Democracia e da Justiça”, organizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que teve adesão de 107 entidades, como a OAB São Paulo, a Febraban e a Anistia

Internacional. Do lado de fora, milhares de cidadãos encaravam a chuva para poder acompanhar as leituras por meio de telões, levando para a rua o sentimento compartilhado por todos os pre-sentes no ato chamado de “Manifesto em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito Sempre”.

Rosa Weber pede informações ao governo sobre decreto de armas | Agência  BrasilA ministra do STF Rosa Weber, durante sessão no plenário da Suprema Corte brasileira. (Foto: Agência Brasil)

Tais manifestações vieram na esteira de abalos provocados, sistematicamente, ao estado democrático, com insinuações frequentes ao sistema de votação, colocando em dúvida a veracidade, ameaças a instituições vitais para uma democracia, como o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, descrédito da grande imprensa e ofensas a jornalistas, além de reverências ao autoritarismo e ao regime militar.

Pouco mais de um mês depois da leitura das cartas, a nova presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, que assumiu o posto em outra data simbólica: 15 de setembro, Dia Da Democracia, endossou o papel democrático e constitucional da instituição e alertou quanto ao papel da democracia para além do voto.

“Refletir sobre democracia não é mero exercício teórico, mas necessidade inadiável que a todos se impõe. Não se resume ela, a democracia, a escolhas periódicas, por voto direto, secreto e livre, de governantes. Democracia é muito mais, englobando diálogo, tolerância e respeito às minorias, em especial as mais vulneráveis. Que saibamos todos defender a democracia enquanto valor inegociável e aperfeiçoá-la continuadamente fortalecendo as nossas instituições e o Estado Democrático de Direito”, declarou.

Constituição e política

No Brasil, especialistas apontam um problema estrutural da Constituição Federal de 1988: englobar várias matérias diferentes, volumosas e infraconstitucionais – são 250 artigos e mais 70 nas disposições transitórias, totalizando em 320 artigos – um enorme aparato buro- crático e ordenamento jurídico que facilita brechas, corrupção e insegurança jurídica. Ao compararmos a Constituição dos Estados Unidos com a brasileira, a principal diferença é que a versão americana é mais enxuta e permite menos emendas.

Para Sergio Praça, professor da Escola de Ciências Sociais – CPDOC - da FGV, além da Constituição, nosso sistema eleitoral também é muito complexo e extenso, com muitos partidos, em contraste com o norte-americano que tem dois partidos somente. Além disso, muitos não levam a sério a vida política como deveriam. Praça explica que, “desde 2014, pensava-se, no Brasil, que não importava a qualidade dos políticos e que as instituições eram suficientes para o cumprimento da Constituição, para fazer leis, governar. Após as corrupções descobertas pela Operação Lava Jato que amputaram a adesão dos políticos tradicionais aos valores democráticos, foi mostrado que não basta ter instituições, o que importa é que os políticos que estão nessas instituições tenham valores democráticos, tenham apreço pela democracia e pelo convívio pacífico com as outras instituições”, explica.

Não tem nada escrito na constituição que é preciso se respeitar, entrar em acordo, visto que isso é o normal que se espera num jogo político. “Até que surgem atores políticos que não seguem esse ‘normal’”, completa Praça.

Soberania popular




















Jessé Souza é mestre em sociologia pela Universidade de Brasília, doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg e pós-doutor em psicanálise e filosofia na New School of Social Research. (Foto: Marcelo Campos/Agência Brasil)

Para Jessé Souza, um dos intelectuais públicos mais notáveis da atualidade, autor de mais de trinta livros, reforça que o principal pilar de uma democracia é uma imprensa livre, plural, que informe os cidadãos. “Uma vez que a mídia media todas as informações que chegam ao povo, sem informação ou com informação distorcida, você retira a capacidade de reflexão, de autonomia, portanto, de ação das pessoas. E a democracia não é só o voto, é o voto consciente”.

Ponto de atenção

O estudo “Panorama Político 2022: opiniões sobre a sociedade e democracia”, elaborado pelo Instituto DataSenado, com colaboração da Universidade de Brasília (UnB) apontou que o interesse por política este ano caiu com relação há 10 anos, de 63% para 53%. Desses, somente 18% tem alto interesse e 35%, interesse médio.

Segundo os entrevistados, um dos motivos do desinteresse é o baixo nível de conhecimento sobre o sistema político, atrelado a deficiências no ensino, que não transmite informações sobre o tema de forma clara. O sentimento de desilusão também foi citado, assim como a percepção de que os atores políticos buscam manter a população alienada dessas questões.

Todos pela Democracia

  • Instituições, empresas, entidades e órgãos públicos se unem para proteger a democracia através da informação

  • Em 8 de junho de 2020, nasceu um dos projetos mais importantes e bem-sucedidos da imprensa brasileira contemporânea, o Consórcio de Veículos de Imprensa, formado por G1, O Globo, Extra, UOL, Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo, como forma de combater a desinformação diante da omissão de dados do governo com relação a Covid-19.

  • Desde o mês de agosto, mais de 60 jornalistas de 30 veículos de notícias brasileiros atuam no Programa Núcleos de Checagem Eleitoral, liderado pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), com apoio da Google News Initiative, para verificação e checagem de fatos em suas redações, com o intuito de garantir uma cobertura estatal do período eleitoral.

  • Google e YouTube renovaram este ano, a parceria com TSE para, entre outras ações, exibir informações oficiais relacionadas às Eleições na Busca do Google. A empresa também lançou uma nova política de integridade eleitoral no YouTube, que tem ajudado a remover conteúdos falsos.

  • Casa Civil do Estado de São Paulo lançou nas suas redes sociais a série PolitiQuê, cujo primeiro video teve como tema, “O que é Democracia?”. O objetivo é promover conhecimento e conscientização sobre cidadania política, necessários à manutenção da democracia brasileira.
  • O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) lançou a plataforma “Consumidores Nas Eleições: Sem Vida Digna Não Há Cidadania” no intuito de reafirmar seu compromisso com a democracia e propor medidas necessárias para tirar o país de uma crise profunda.