Fernando Haddad: chegaremos até o fim do ano com as reformas necessárias para o Brasil ter crescimento sustentável a partir de 2023

Arcabouço fiscal, reformas tributária, administrativa e do imposto de renda: um cenário de promessas que começa a sair do papel.

52734859284_2fa91481d7_oArcabouço fiscal, reformas tributária, administrativa e do imposto de renda: um cenário de promessas que começa a sair do papel. (Foto: Divulgação)

Um novo governo, uma nova pro- posta para alinhar as contas públicas e almejar o crescimento econômico do país. Esse é um dos temas e sentimentos que rondam os debates quando o assunto é arcabouço fiscal. Em evento recente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, compartilhou seu anseio para o futuro com seu projeto em andamento e a reforma tributária: “o país chegará a 2024 com um choque de crescimento, projetando também um cenário internacional mais favorável”.

Na ocasião, o político discorreu ainda mais sobre essa previsão, afirmando que para ela ser concretizada é preciso existir um combate às distorções tributárias e criação de um imposto sobre valor agregado. “Chegaremos até o fim do ano com as reformas necessárias para o Brasil ter crescimento sustentável a partir de 2024”, declarou. Em pauta, há duas grandes propostas de reforma tributária que vão ser discutidas ainda este ano: a PEC 45 e a PEC 110que propõe a unificação de impostos.

Na visão de Haddad, a reforma tributária, defendida pelo governo, tem um viés progressista, em que os ricos pagam proporcionalmente mais impostos que os pobres. “O principal objetivo não é aumentar a receita, mas melhorar a qualidade da mobilização de receita”, explicou.

Para Bráulio Borges, economista e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE), o processo político das reformas encontrae no estágio amadurecido e com grandes chances de aprovação, mesmo com algumas diferenças das propostas originais. “Isso não significa que vai ser fácil. É necessário alterar a Constituição, além disso, alguns setores vão defender o status quo por temerem perdas no curto prazo. Também há questões políticas delicadas envolvendo os setores agropecuário e o de serviços”, alertou.

Pelos mais pobres

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad: "Chegaremos até o fim do ano com as reformas necessárias para o Brasil ter crescimento sustentável a partir do ano que vem". (Foto: Divulgação)

Como defendido pela base governista, um olhar mais progressista às reformas, Haddad apresentou uma declaração por escrito ao Comitê Monetário e Financeiro do Fundo Monetário Internacional (IMFC, na sigla em inglês) com um resumo das propostas e enfatizou que há um esforço com o Congresso Nacional em aprovar os projetos que corrijam as distorções e resulte em mudanças estruturais na economia brasileira. Como resultado, o ministro citou a simplificação da legislação e dos procedimentos, o fim da guerra fiscal entre estados e o aumento da transparência e da justiça no sistema.

“O sistema tributário do Brasil é excessivamente complexo, regressivo, distorcido e pesado. Ele onera indevidamente as empresas e acentua as desigualdades regionais e sociais”, destacou o ministro. O governo ainda aproveitará este momento para revisar incentivos fiscais a determinados setores da economia, que segundo o político, é necessário para com- bater a “captura do Estado” por determinados setores da economia e tornar o sistema tributário brasileiro mais justo e progressivo.

O que esperar?

Prof. Dr. Tiago Nascimento Borges SlavovO economista Tiago Nascimento Borges Slavov avalia que para reduzir a desigualdade social, é necessário que outras reformas avancem. (Foto: Divulgação)

A ideia de aperfeiçoar o sistema tributário do Brasil é antiga e remonta a Proclamação da República, em 1891. Neste percurso histórico, diversas mudanças marcaram a política nacional, como a criação do ICM na década de 1960 e a Constituição Federal em 1988. O que pode parecer uma evolução, Tiago Nascimento Borges Slavov, doutor em Contabilidade pela USP e Mestre em Contabilidade pela FECAP, mostra que no Brasil a tendência é contrária e o resultado é a burocratização.

“O Brasil, no entanto, é uma exceção para o mal: as mudanças são diárias, mas na sua quase totalidade, burocratizam ainda mais o sistema. Por isso, o país sempre figurou como um dos piores do mundo no estudo Paying Taxes do Banco Mundial, estudo que analisa o sistema tributário de 189 nações (ficou em 184º no ano de 2020)”, analisa o especialista.

Como exemplo de sua observação, Slavov cita a “reforma” de 2003 que pretendia promover mudanças relevantes no ICMS, mas ficou restrita a ajustes fiscais como a desvinculação de receitas tributárias e a prorrogação da CPMF (extinta em 2007) - muitas das “pendências” da reforma de 2003 (como incentivos fiscais, alíquotas, simplificação) são o foco da reforma atual. “O problema atual já tem, pelo menos, 20 anos de discussão sem avanços significativos”, acrescenta.

O especialista destaca que considerando o cenário de caos tributário que vive o Brasil, qualquer melhoria em direção à simplificação tributária já é algo a se comemorar muito. “Contudo, mesmo sendo prioridade do atual governo, muitos sinais indicam que a insistência em modelo ideal pode inviabilizar o modelo viável. É melhor priorizar, neste momento, o viável. Depois avançamos para o ideal”, finaliza.

Em outro plano

Bráulio Borges_FGV IBRE Bráulio Borges, do FGV IBRE: "Quanto à economia fiscal, a reforma administrativa pode gerar um resultado relevante em um horizonte de 20 ou 30 anos". (Foto: Divulgação)

Quanto à reforma administrativa, Haddad afirmou que é “um pouco ilusório” achar que ela trará grandes cortes de despesas. Bráulio Borges, do FGV IBRE, concorda com o ministro. “Não vai gerar economia fiscal imediata, mas pode melhorar a qualidade do serviço público”, afirma. O especialista é responsável por realizar um levantamento sobre o tema, que verificou que cerca dos 40% dos funcionários públicos federais devem se aposentar nos próximos anos, o que prevê a reposição de parte do contingente.

Para o economista, o governo pode aproveitar a chegada de novos servidores para propor incentivos corretos. Atualmente, a população tem grande estímu-lo para ingressar no setor público devido aos altos salários de entrada. Mas depois de conquistado o posto, o entusiasmo se reduz. “Precisamos fazer ao contrário: ter um salário de entrada um pouco menor do que temos hoje para várias carreiras, mais alinhado ao que o mercado pratica, e fornecer possibilidade de promoções e aumento de remuneração, fazendo o servidor se esforçar por isso. Quanto à economia fiscal, a reforma administrativa pode gerar um resultado relevante em um horizonte de 20 ou 30 anos”, afirma.

Congresso

A disputa de poder entre o presidente da Câmara de Deputados, Arthur Lira, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, é um possível risco para a agenda deste ano de políticas públicas do governo Lula. No cenário da queda de braço estão os recentes conflitos entre as duas lideranças, que envolvem a análise conjunta de MPs pelas comissões mistas, revela a nova dinâmica que se impôs na relação entre as casas com o Executivo.

Medidas do governo para aumentar a arrecadação 

• Regulamentar sites de apostas esportivas. Expectativa de incremento entre R$ 12 bilhões a R$ 15 bilhões anuais aos cofres públicos;

• Proibir que empresas com incentivos fiscais concedidos pelos estados, por meio do ICMS, abatam o crédito da base de cálculo de impostos federais, como a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), em casos de atividades de custeio, mantendo o benefício somente para investimentos. Incremento de até R$ 90 bilhões;

• Atualização de valor de imóveis no Imposto de Renda. Nova etapa de repatriação de recursos do exterior e uma eventual mudança na tributação de fundos exclusivos de grandes investidores;

• Os benefícios fiscais a estados também terão mais transparência para evitar perda de arrecadação para a União.

Arcabouço Fiscal em detalhes

Na nova regra proposta pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad, as metas fiscais continuarão existindo, mas deixarão de ser imposição. O novo arcabouço prevê um intervalo de tolerância (para mais ou menos) de 0,25 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB), para as metas estabelecidas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias. Caso o resultado primário fique abaixo do piso da meta, haverá um ajuste automático. As despesas deixarão de crescer 70% da alta real (acima da inflação) das receitas líquidas e passarão a crescer menos: 50%. O crescimento menor vigorará até que o limite mínimo da meta seja atingido.Se o resultado primário ficar acima do teto da meta, o excedente será usado para investimentos (obras públicas e compras de equipamentos). No entanto, segundo o texto já enviado ao Congresso, a sobra que poderá ser remanejada para investimentos está limitada a R$ 25 bilhões por ano entre 2025 e 2028, com o valor corrigido anualmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Agro com alíquota diferenciada

Representantes do setor agropecuário manifestaram aos deputados do grupo de trabalho da reforma tributária (PECs 45/19 e 110/19) preocupação com o fim da desoneração da cesta básica a partir da criação do Imposto sobre Bens e Serviços. A ideia em estudo é devolver automaticamente o imposto pago apenas para as famílias mais pobres. O IBS deverá substituir IPI, PIS, Cofins, o ICMS estadual e o ISS municipal.Representando a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Renato Conchon disse que o setor concorda em reavaliar os itens que compõem a cesta básica, mas acredita que a desoneração deve ser ampla, como é hoje, para não prejudicar a classe média. Segundo ele, a devolução do imposto pago aos mais pobres não deverá ser suficiente para ampliar o consumo. A CNA e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) defendem que haja uma alíquota diferenciada para o agronegócio na reforma tributária, se for adotado o modelo de tributação única.