Andrea Alvares, da Natura: oposição entre desenvolvimento e conservação é falsa dicotomia

Para proteger as florestas brasileiras é preciso foco em áreas prioritárias e no incentivo ao processo de regeneração.

Cacau2Programa poderá ajudar os agricultores locais. (Foto: Kevin Arnold/TNC)

Nos últimos dez anos, o desmatamento na Amazônia brasileira cresceu de maneira acelerada. Apenas em agosto deste ano, foram desmatados 1.606 km² de floresta, segundo o SAD (Sistema de Alerta de Desmatamento) do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), o pior número para o mês em uma década de monitoramento do instituto. Reverter esse quadro vai exigir que o Brasil fortaleça políticas públicas já existentes, como a expansão de áreas protegidas e a punição ao desmatamento ilegal. Mas é preciso ir além, de modo a incorporar à agenda pública incentivos à regeneração de florestas e o combate à degradação.

Estas recomendações constam no estudo "Políticas Públicas para Proteção Florestal - o que funciona e como melhorar", da economista Clarissa Gandour. No trabalho, parte do projeto Amazônia 2030, a pesquisadora analisa as políticas públicas de combate ao desmatamento adotadas pelo Brasil a partir de 2004. A partir daquele ano, e até 2014, mudanças tecnológicas, ações de fiscalização e a atuação integrada de diversos ministérios contribuíram para que a taxa de desmatamento na Amazônia regredisse. No entanto, a situação começou a se deteriorar rapidamente.

Restauração

Segundo o estudo, é imprescindível que o Brasil aja agora para incorporar o restauro de ecossistemas em sua agenda de políticas públicas de conservação. Neste sentido, algumas empresas já atuam há anos na região amazônica ou começam agora um trabalho vigoroso de atuação nas comunidades locais.

AA-square_bigAndrea Alvares, vice-presidente de Marca, Inovação, Internacionalização e Sustentabilidade da Natura. (Foto: Reprodução)

Quando lançou a marca Ekos, no ano 2000, a Natura passou a utilizar ativos da biodiversidade brasileira em seus cosméticos, colaborando para aproximar a Amazônia dos consumidores do Brasil e dos diferentes países onde a marca está presente. Por reconhecer a importância deste bioma, em 2011 a companhia decidiu intensificar suas ações na região e lançou o Programa Natura Amazônia (PAM). O objetivo primordial era tornar a Natura um vetor na promoção de desenvolvimento local a partir da união entre ciência, conhecimento tradicional e empreendedorismo local pela valorização da sociobiodiversidade.

"Para ampliar o modelo de negócio de impacto positivo na Amazônia, era preciso aprofundar a presença da Natura na região. A partir deste momento, a empresa priorizou o relacionamento com comunidades da região, possibilitando que as iniciativas pudessem ganhar maior impacto a partir da atuação em rede", explica Andrea Alvares, vice-presidente de Marca, Inovação, Internacionalização e Sustentabilidade da Natura.

Desde 2010, a Natura contribuiu para movimentar mais R$ 2,1 bilhões em volume de negócios na região com investimento em inovação, cadeias produtivas e fortalecimento institucional. Devido as práticas regenerativas e de manejo sustentável, as cadeias produtivas da Natura contribuem para a conservação de 2 milhões de hectares de floresta em pé.

"A oposição entre desenvolvimento econômico e conservação da floresta é uma falsa dicotomia. Ao demonstrarmos que é possível gerar riqueza e manter a floresta em pé, agregamos ainda mais valor à região. Hoje, a perda da biodiversidade é hoje uma das grandes ameaças à economia global", afirma Andrea. Como parte do grupo Natura &Co - formado por Avon, Natura, The Body Shop e Aesop - a empresa passa a ter como meta ampliar para 3 milhões de hectares de área conservada na Amazônia até 2030, além de contribuir para zerar o desmatamento até 2025.

Remoção de carbono

Como parte de seus esforços para apoiar soluções globais para a crise climática, a Amazon anunciou no início de setembro o lançamento do programa Acelerador de Agroflorestas e Restauração, em parceria com a The Nature Conservancy (TNC), organização ambiental global. O programa criará alternativas de fonte de renda mais sustentáveis para milhares de agricultores locais no estado do Pará, restaurando florestas nativas e combatendo as mudanças climáticas ao capturar e armazenar carbono naturalmente.

De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), as soluções baseadas na natureza têm um papel crítico para evitar os efeitos das mudanças climáticas. O programa Acelerador de Agroflorestas e Restauração é um dos projetos de remoção de carbono e faz parte do compromisso da Amazon em cumprir o The Climate Pledge, que a empresa cofundou com a Global Optimism. Os signatários se comprometem a alcançar emissão líquida zero de carbono até 2040.

"Restaurar as florestas do mundo é uma das ações mais significativas que podemos tomar atualmente, para lidar com a mudança climática e exigirá soluções inovadoras para ter sucesso", diz

159410447_3909516399129976_7792134057436659325_nKara Hurst, vice-presidente de sustentabilidade mundial da Amazon. (Foto: Divulgação)

Para Christiana Figueres, co-fundadora do Otimismo Global e ex-chefe climática da ONU, responsável pelo Acordo de Paris, a ciência é inequívoca em considerar os sistemas naturais como a prioridade para a absorção de carbono da atmosfera e o último relatório do IPCC ressalta isso. "Proteger os ecossistemas atuais e restaurar terras degradadas são essenciais como estratégias de mitigação de carbono, especialmente nas próximas duas décadas. Os projetos que alcançam isso de forma a manter tanto a natureza, quanto os meios de subsistência da comunidade local, são inestimáveis para a transformação necessária para prosperarmos muito além da crise climática", destaca.

Mata atlântica

Aprovada em 2012, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei 12.651/12), conhecida como novo Código Florestal, que regulamenta o uso e a proteção da vegetação nativa em áreas públicas e privadas, é uma política fundamental, porém insuficiente para contribuir com as metas de restauração da Mata Atlântica. A avaliação é do relatório O Código Florestal na Mata Atlântica, divulgado no final de setembro pela Fundação SOS Mata Atlântica, Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Observatório do Código Florestal e GeoLab-Esalq/USP (Laboratório de Planejamento de Uso do Solo e Conservação do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo).

Como explica Luis Fernando Guedes Pinto, diretor de Conhecimento da SOS Mata Atlântica, o trabalho revela que a Lei não avançou no bioma desde a sua publicação, o que levou a novos desmatamentos. "Isso evidencia a necessidade de políticas adicionais capazes de impulsionar a restauração em grande escala no bioma", afirma.