A importância da intencionalidade para avançar nas agendas de DE&I

Gestão da diversidade deve ser trabalhada com cuidado para evitar mais opressão e desigualdade.

carolina ignarraCarolina Ignarra, CEO do Grupo Talento. (Foto: Arthur Calasans)

Dependendo da forma como é feita a gestão da diversidade, equidade e inclusão no mercado de trabalho, ainda que sem intenção, pode causar muito mais opressão e desigualdade para os grupos que já são minorizados.

Os indicadores são muito injustos e se refletem nos marcadores sociais que aparecem sempre distantes dos cargos de ideranças nas empresas.De acordo com uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), as mulheres ocupam apenas 29% dos cargos executivos nas indústrias do Brasil, enquanto os homens 71%. Já um estudo da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial com empresas brasileiras, aponta que apenas 5,8% dos quadros executivos são ocupados por pessoas negras, mesmo elas sendo a maioria da população brasileira.

Dados do IBGE mostram que o país tem 17,3 milhões de pessoas com deficiência, porém apenas 1% delas estão em empregos formais. O rendimento médio real nacional do trabalho das pessoas com deficiência é cerca de R$1.000,00 a menos que a média salarial das pessoas sem deficiência (R$2.690).

O estudo “Pessoas com Deficiência e Empregabilidade”, da consultoria Noz Inteligência com apoio da Talento Incluir, mostrou que 60% das pessoas com deficiência entrevistadas afirmaram nunca terem sido promovidas, mesmo aquelas com ensino superior completo. Entre as pessoas LGBTQIAPN+ no Brasil, apenas 8% ocupam cargos de liderança, segundo um estudo da consultoria global Great Place To Work (GPTW).

Esses indicadores dão a certeza de que alguma coisa fizemos de muito errado no passado para tanta exclusão acontecer. A forma que fizemos causou opressão e desigualdade para determinados marcadores sociais. Para mudar o futuro, a gente precisa mudar as ações do presente. Essas ações precisam de intencionalidade.

Quando uma empresa oferece um programa de estagiários para pessoas negras, é porque mesmo sem perceber, fez programas de estágios para pessoas brancas, ainda que esse critério não estivesse declarado. As ações afirmativas são ações intencionais e servem para reparar desigualdades que aconteceram no passado.

Trazer intencionalidade para as práticas de diversidade, equidade e inclusão requer indicadores, assumindo que há desigualdade. Nosso mercado funcionou à base da meritocracia, sem reconhecer que essa não era uma forma justa de lidar com pessoas com passados e oportunidades tão desiguais.

Como é possível esperar os mesmos resultados das pessoas sem deficiência em relação às pessoas com deficiência? Por proteção das famílias e por falta de acessibilidade nas escolas, o capacitismo estrutural impede o ingresso da criança com deficiência na vida escolar, o que prejudica a socialização e o desenvolvimento pessoal antes mesmo de chegar ao mercado de trabalho.

No caso das mulheres, a desigualdade de direitos em relação aos homens é altamente prejudicial para nossas carreiras profissionais, já que somos muito mais exigidas na segunda jornada, quando chegamos em casa. A gente não quer “aliviar” a pressão sobre as mulheres. A gente está pedindo para entender que precisa haver uma forma diferente de tratamento. Seja no desenho de metas, no desenvolvimento de comportamento, das soft skills.

A intencionalidade de perceber que é preciso fazer diferente para termos resultados diferentes. Quando a gente tem duas pessoas para serem promovidas, por exemplo, e as duas parecem estar igualmente prontas para essa promoção, intencionalmente, deve-se priorizar a pessoa com mais recortes. Isso é intencionalidade. É reparar a desigualdade recorrente com esse marcador.

A gente só aumenta os indicadores fazendo de forma intencional. Senão, vamos funcionar no ‘modo automático’, que é direcionado pelos nossos vieses inconscientes. As nossas decisões virão a partir das nossas crenças limitantes também. Agir com intencionalidade é se questionar: como eu posso fazer diferente do que eu faria se eu não tivesse com essa pauta em prioridade?

Sem intencionalidade, o mercado contratou, promoveu e valorizou pessoas muito semelhantes e excluiu as diversas. A intencionalidade não pode sair do mindset de uma alta liderança. Precisamos ter nas empresas aquela pessoa que vai ficar lembrando a diretoria o tempo todo que é preciso aumentar os indicadores de diversidade.

A intencionalidade é um passo após a convicção. É a ação. A capacidade de julgar o que está faltando para eu ser mais justa na decisão que eu estou tomando e para que eu trabalhe pelas visibilidades sociais nessa decisão organizacional. Os resultados são provados em números. Ambiente mais acolhedor, mais valor ao negócio, contribui para a inovação, melhora a qualidade do trabalho e aumenta a retenção de profissionais.

No início do ano, um artigo do Financial Times trouxe um dado da PwC, anunciando que a consultoria iria abandonar algumas de suas metas de diversidade nos EUA. A notícia causou espanto e colocou em risco nossas agendas de DE&I aqui no Brasil. Vale enfatizar, que nós, pessoas que sempre atuaram incansavelmente pelas causas da inclusão, resistiremos, assim como fizemos até hoje. A diversidade é uma pauta viva e essencial para as empresas que querem estar no futuro. Ou será que as empresas que decidirem desacelerar suas metas de DE&I também querem desacelerar seus clientes representantes dos marcadores da diversidade?

E como um suspiro para pessoas ativistas e aliadas da inclusão, pelo terceiro ano consecutivo, a Deloitte apresentou a sua pesquisa do mercado brasileiro sobre DE&I nas empresas, que registrou um aumento de companhias participantes, saltando de 215 em 2021 para 355 em 2023. Também mostra crescimento no percentual de empresas que acreditam que as ações em DE&I promovem ambiente mais acolhedor (96%), geram valor para os negócios (94%) e contribuem para inovação (89%). Também traz dados sobre a integração nas estratégias, investimentos e iniciativas para os próximos anos.

A intencionalidade é a ação que revela nossa intenção com pessoas, as que estamos priorizando nas nossas decisões e as que deixamos de priorizar. É uma questão de propósito para criar um ambiente diverso e inclusivo de fato.