Entenda a regulação acerca das vacinas contra a covid-19 no Brasil e no mundo

Para garantir a segurança da população, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mantém um programa de monitoramento das vacinas da covid-19 disponibilizadas no território nacional. Agora, cabe ao Ministério da Saúde adotar a logística adequada para rápida distribuição dos produtos nos postos de vacinação elegíveis e prezar para que todo o processo caminhe com diligência e precisão.

Para entender os procedimentos jurídicos e regulatórios para autorização e distribuição de vacinas em um país, é fundamental entender o papel de órgãos sanitários como Anvisa, FDA, EMA, PMDA e NMPA, que são membros da International Council on Harmonisation of Technical Requirements for Registration of Pharmaceuticals for Human Use (ICH) – organização internacional que reúne autoridades reguladoras e associações de indústrias farmacêuticas dos mais diversos países, e tem por objetivo discutir e uniformizar os padrões técnicos e científicos para o registro de medicamentos e, claro, vacinas.

Justamente por essa associação entre as autoridades, não é de se estranhar que, no âmbito estritamente regulatório, sejam poucas – e pouco relevantes – as diferenças entre as estratégias adotadas pelos diferentes países. Anvisa, FDA, EMA, PMDA e NMPA têm adotado padrões regulatórios bastante próximos no tocante ao controle de produtos relacionados ao combate da pandemia da Covid-19.

Conforme informa o sistema de monitoramento desenvolvido pelo The New York Times (Coronavirus Vaccine Tracker), até este momento, doze vacinas atingiram a Fase 3 de pesquisa clínica. Dessas, oito já tiveram o uso emergencial autorizado (por um ou mais países) e apenas duas já obtiveram registro sanitário definitivo (Pfizer/Biontech – registrada na Arábia Saudita, Bahrein e Suiça; e Sinopharm – registrada na China, Emirados Arábes Unidos e Bahrein).

“Se, em matéria estritamente regulatória, o Brasil converge com os países mais desenvolvidos do globo, o mesmo não se pode dizer com relação às estratégias e políticas para enfrentamento da pandemia”, afirma Rubens Granja, sócio do escritório Kestener, Granja & Vieira Advogados, especializado na área de Life Sciences e Healthcare

 Estados Unidos, Japão, China e os países da União Europeia têm adotado medidas mais rígidas para controle da pandemia e, desde o primeiro semestre de 2020, têm concentrado esforços para a aquisição antecipada das então candidatas a vacina (assim como para a aquisição de materiais adjuvantes e para o desenvolvimento de planos nacionais de imunização).

É consenso global que a vacinação em massa da população representa a forma mais rápida e segura para retomada das atividades econômico-sociais e, consequentemente, para o retorno à normalidade. “O Brasil deve concentrar seus esforços na importação/fabricação de vacinas e no desenvolvimento de um plano eficaz de imunização contra a Covid-19”, pontua o advogado especialista na área da saúde.

O Programa Nacional de Imunização brasileiro é internacionalmente reconhecido por sua abrangência: O Brasil conta com uma rede nacional de imunização experiente e bastante capilarizada. Na avaliação de Granja, cabe ao Ministério da Saúde valer-se dessa vantagem para, colocando a saúde em primeiro lugar, proporcionar a mais célere e efetiva imunização da população brasileira.

Garantias de segurança da vacina

 A autorização para uso emergencial em caráter experimental depende da comprovação científica de que os benefícios da vacina superam os seus riscos. “A autorização concedida pela Anvisa deve ser entendida como um indicativo de que a vacina é suficientemente segura para uso. Em outras palavras, podemos entender que o risco de não se vacinar é maior do que o risco de vacinar-se”, segundo Granja.

De toda forma, visando a garantir a segurança da população, a Anvisa mantém um rígido programa de monitoramento das vacinas disponibilizadas no território nacional. Dentre as medidas adotadas para garantir a segurança dos pacientes, destacam-se:

  1. Imposição de sistemas de boas práticas de farmacovigilância (por meio do qual as fabricantes de vacina devem detectar, avaliar e prevenir eventos adversos ou quaisquer problemas relacionados à vacinas);
  2. Possibilidade de revogação da autorização para uso emergencial, a qualquer tempo, ante a identificação de risco sanitário;
  3. Monitoramento contínuo dos resultados e avanços das pesquisas clínicas ainda em andamento;
  4. Campanhas públicas para conscientização acerca da vacinação.

É finalidade institucional da Anvisa, prevista na Lei nº 9.782/1999, “promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária”. Bem por isso, a simples autorização da Anvisa para uso das vacinas, já deve ser suficiente para garantir a segurança dos pacientes. Entretanto, a Anvisa não está só: As principais agências reguladoras globais têm, gradualmente, autorizado o uso de diversas vacinas contra a infecção pelo SARS-CoV-2 – inclusive, daquelas que estão sendo atualmente administradas no Brasil.

Do ponto de vista estritamente jurídico, parece haver pouco a se fazer para garantir a celeridade e segurança do processo de vacinação no Brasil. O essencial é que o Ministério da Saúde desempenhe, com dilegência e precisão, a competência que lhe é atribuida pela Lei n° 6.259/1975: Elaborar o Programa Nacional de Imunizações e coordenar e apoiar – técnica, material e financeiramente – a vacinação em território nacional.

Foi para esse fim que o Ministério da Sáude elaborou, recentemente, o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a COVID-19, visando (i) apresentar a população-alvo e grupos priritários para a vacinação; (ii) planejar e operacionalizar a vacinação; e (iii) instrumentalizar Estados e Municípios para a vacinação contra a Covid-19.

A celeridade e segurança desse Plano passará, antes de qualquer coisa, pela efetiva disponibilidade da vacina no território nacional – cabendo ao Ministério da Saúde adotar as medidas necessárias para rápida aquisição de insumos farmacêuticos e materiais adjuvantes (seringas, geladeiras, etc).

Rubens Granja destaca que “a aquisição rápida não é sinônimo de aquisição apressada: Há que se agir com máxima transparência, respeitando as formalidades e cuidados aplicáveis às compras públicas, sob pena de questionamentos judiciais e administrativos (por exemplo, no âmbito do Tribunal de Contas da União)”. A pressa, nesse caso, pode resultar em atrasos futuros prolongados.

Com a vacina em estoque, caberá ao Ministério da Saúde adotar a logística adequada para rápida distribuição dos produtos nos postos de vacinação elegíveis. E, talvez mais importante, monitorar os efetivos destinatários das vacinas. Isso porque, já nos primeiros dias de vacinação, não faltam notícias sobre as mais variadas fraudes e violações às prioridades estipuladas pelo Plano Nacional.

rubens granjaRubens Granja, sócio do escritório de advocacia Kestener, Granja & Vieira Advogados é advogado e especialista nas áreas de Life Science e Health Care. (Foto: Divulgação)

Sobre o processo de liberação de vacinas

Em geral, a liberação ao mercado de novas vacinas só acontece após um processo longo e complexo (regulado pela Resolução RDC n° 55/2010), por meio do qual a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) avalia dados completos e conclusivos das Fases 1, 2 e 3 do processo de pesquisa clínica para comprovar a segurança e eficácia do produto:

  • Fase pré-clínica: A pesquisa para o desenvolvimento de um novo medicamento (e, portanto, de uma nova vacina) envolve as seguintes fases:
  • Fase clínica: Estudos em laboratório (testes in vitro e em animais), para analisar a plausibilidade da pesquisa. Diante de resultados positivos na fase pré-clínica, passa-se a realizar estudos com voluntários humanos. A chamada pesquisa clínica, divide-se em quatro fases, realizadas sucessivamente (diante de resultados positivos da fase anterior).
  • Fase 1: Estudos em geral conduzidos com um grupo pequeno de voluntários saudáveis. O principal objetivo é determinar a farmacocinética, farmacodinâmica e a toxicidade do medicamento. O foco é, primordialmente, a verificação da segurança do produto.
  • Fase 2: Estudos conduzidos com um número limitado voluntários enfermos. O principal objetivo é demonstrar o potencial de eficácia do medicamento.
  • Fase 3: Estudos conduzidos em grande escala, com a participação de grande número de voluntários, em diferentes centros de pesquisa e com diferentes populações. Em geral, a metodologia utilizada é o método duplo-cego (método em que, nem examinado nem examinador sabem o produto que está sendo administrado: Se medicamento/vacina ou placebo). O objetivo é demonstrar, com alto grau de certeza, a segurança e eficácia do medicamento para as mais diversas populações.
  • Fase 4: Estudos conduzidos após a liberação do produto no mercado (ou seja, a após a aprovação do uso pela Anvisa). Em geral, o objetivo é identificar (i) o valor terapêutico do produto; (ii) a manifestação de eventos adversos novos; (iii) a frequência de manifestação de eventos adversos já conhecidos; e (iv) novas estratégias de tratamento.

Diante da situação de calamidade pública envolvendo a pandemia da Covid-19, contudo, a Anvisa entendeu por bem criar dois procedimentos distintos para o registro de novas vacinas contra a infecção pelo SARS-CoV-2, visando a acelerar a liberação dos produtos ao mercado brasileiro:

  • Procedimento de submissão continuada para registro da vacina: Instituído pela Instrução Normativa n° 77/2020, visa a permitir que as empresas iniciem o processo de registro ainda durante Fase 3 da pesquisa clínica. Nesse caso, os dados referentes à pesquisa são submetidos à Anvisa na medida em que forem gerados, de que a Agência possa antecipar sua análise e, futuramente, acelerar a aprovação do produto.
  • Autorização para uso emergencial em caratér experimental: Instituída pela Lei n° 13.979/2020 e regulamentada pela RDC n° 444/2020 (que normatiza o Guia n° 42/2020) e pela Medida Provisória n° 1.026/2021, permite o uso emergencial de vacinas que, ainda em Fase 3 de desenvolvimento, já apresentem resultados promissores (preferencialmente destinado a profissionais de saúde e pessoas pertencentes aos grupos de risco).

Para requerer a autorização para uso emergencial em caráter experimental, a empresa responsável pela vacina deve, em apertada síntese:

  • Possuir uma Autorização de Funcionamento de Empresa para produção e importação de medicamentos (a AFE é a licença emitida pela Anvisa para o desempenho de atividades comerciais relativas aos produtos sujeitos à vigilância sanitária);
  • Ter concluído as Fases 1 e 2 da pesquisa clínica;
  • Estar conduzindo a Fase 3 da pesquisa clínica no território brasileiro;
  • Apresentar os dados de qualidade, segurança e eficácia da vacina e fornecer um relatório conclusivo demonstrando que os benefícios da vacina superam os seus riscos; e
  • Demonstrar seu compromisso em concluir o desenvolvimento da vacina e em obter o registro sanitário do produto.

Conforme estabelecem a Lei n° 13.979/2020 e a Medida Provisória n° 1.026/2021, uma vez requerida, a possibilidade de uso emergencial em caráter experimental deve ser avaliado pela Anvisa no prazo máximo de 72 horas, desde que a vacina em questão já tenha sido aprovada por pelo menos um dos seguintes órgãos reguladores estrangeiros: (a) FDA – Estados Unidos da América; (b) EMA – União Européia; (c) PMDA – Japão; (d) NMPA – China; e (e) MHRA (Reino Unido e Irlanda do Norte).

Até o momento, quatro vacinas foram objeto de pesquisa clínica no Brasil e iniciaram processo de submissão continuada perante a Anvisa: Antrazeneca/Fiocruz; Sinovac/Butantan; Pfizer/Biontech; e Janssen/Johnson & Johnson. Apenas as duas primeiras (Antrazeneca/Fiocruz e Sinovac/Butantan) já requereram - e tiveram deferida - a autorização para uso emergencial de caráter experimental.

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