Rachel Maia: 'A nova geração, se não vê propósito na sua empresa, ela pega sua bolsa e sai fora'

Executiva fala sobre sua trajetória profissional e pessoal no segundo episódio do Canal Equidade, comandado pelo presidente do do LIDE Equidade Racial, Ivan Lima.

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Rachel Maia, presidente do Conselho do Pacto Global da ONU no Brasil. (Foto: Matheus Guimarães/LIDE)

Com a importância representativa de ser, ainda, a única mulher negra a ter ocupado o mais alto cargo de uma companhia no Brasil, Rachel Maia, ex-CEO da Lacoste e da Pandora, hoje preside o Conselho do Pacto Global da ONU no Brasil e atua como CEO do Instituto Capacita-me.

A partir desta trajetória, Rachel compartilhou, em entrevista exclusiva ao Ivan Lima, presidente do LIDE Equidade Racial, sua visão sobre o cenário do mundo corporativo: ‘a nova geração, se não vê propósito na sua empresa, ela pega a bolsa e sai fora’. Sem o propósito, para ela, a empresa está ‘fadada ao fracasso’. Confira a íntegra da entrevista:

Ivan Lima: Afinal, quem é Rachel Maia?

Rachel Maia: Uma mulher, filha mais nova de sete irmãos. Filha do Sr. Antônio e da Dona Pretinha, que trabalhou por 33 anos na extinta Vasp. Meu pai pegava duro com a gente: 'Filho meu tem que estudar, senão não vai rolar aqui dentro de casa. E é isso, então estudem'. Meu pai exigia nota média alta, incentivava a gente ler jornal, mesmo que fosse velho, para estar sempre atualizado com as notícias. Foi pelo incentivo dele que consegui meu primeiro cargo de liderança. Um CFO global me perguntou: Rachel, o que está acontecendo no mundo? E eu soube responder pelo incentivo do meu pai. A Rachel é uma pessoa resiliente e de fé. Eu sou catequista de crisma por mais de 23 anos. Também sou mãe da Sara Maria e do Pedro Antônio, fundadora do Instituto Capacita- me, onde eu não acredito em dar cesta básica para as pessoas, mas capacitação. O instituto dá capacitação e eu peço para os meus amigos executivos vagas de emprego. Então é isso. Eu acredito na dignidade das pessoas e no trabalho, mas também acredito que as pessoas mereçam descansar.

Ivan Lima: Vejo uma importância muito grande em você ter sido CEO de grandes multinacionais e a primeira mulher preta representando o Brasil com tanta competência. Mas o que me cativou muito te conhecendo é o ser humano. E é justamente essa parte de valorizar sua ancestralidade, sua família, que é bem grande.

Rachel Maia: Enorme e do extremo sul da cidade de São Paulo, na periferia, entre Parelheiros e Grajaú. E acho que o que me faz manter o pé no chão foi a minha mãe. Ela sempre nos levou para as faxinas que fazia e depois, aos domingos, íamos para a igreja. No final da história, sempre tinha aquelas festas de família estilo americanas, onde todo mundo levava seu pratinho. Então, é possível festejar no coletivo, mesmo cada um com a sua mazela, com a sua pobreza e dificuldade. No final do dia vamos festejar, celebrar a vida com cada pedacinho que você tem. Eu aprendi a celebrar a vida, mesmo com aquele pouquinho, com os meus pais que foram a minha referência.

Hoje, meus filhos, a Sara Maria, minha filha biológica que vai fazer 12 anos, e o Pedro Antônio, meu filho do coração, que vai fazer quatro anos e chegou na minha vida com sete dias de vida, são minha preciosidade de vida. Então é isso, vivo a minha vida, sou executiva, conselheira, namoradeira e tenho pretensão zero de ser aquela mãe que se dedica 100%. Meus pratos caem.

Eu faço análise há mais de 12 anos e tenho capacidade de falar que eu tenho muitos desafios pessoais, profissionais, mas vivo com eles. Isso para mim é muito importante: assumir os meus desafios, mas assumir também os meus progressos.


Ivan Lima: A gente percebe que você tem uma qualificação diferenciada, que você se preparou com planejamento estratégico, gestão estratégica e contabilidade gerencial. Então, você sempre foi muito boa em números, planeamento, mas tem algumas frases que caminham muito com você...

Rachel Maia: A minha faculdade eu tive que fazer porque meu pai foi ali, tá?! Porque eu fui comissária, eu me formei no comissariado sem o meu pai saber, escondida. Quando eu tirei minha licença de voo ele me chamou: “vem cá, caboclinha! Enquanto viver embaixo do meu teto, você vai fazer faculdade”. Eu fiquei seis meses sem falar com ele. Não é mole não, mas aí eu fiz contabilidade. E aí quando eu fiz contabilidade...

Ivan Lima: Que é base para toda essa gestão que você alcançou. Mas como eu ia dizendo, tem algumas frases que caminham com você. “Conhecimento é poder, amor-próprio”, “A cadeira número um” - que é o livro, é a pluralização. Fala um pouco mais sobre isso.

Rachel Maia: O conhecimento ninguém te tira e isso veio da minha mãe, que dizia que era para se levar para a vida. Já a cadeira número um, você define o teu lugar de fala. Se você quer ser uma faxineira, como era minha mãe, seja a melhor faxineira. Nunca faltava a faxina para ela, porque era a melhor faxineira. Levava a gente para ajudar e tinha que fazer a melhor faxina junto com ela, nada meia boca. Minha mãe era a número um nas faxinas. Se você quer ser um assessor ou uma recepcionista, seja a melhor para que você possa se dedicar e galgar novos postos. seja o melhor naquilo que você se propôs a ser.

Quando eu era CFO e tinha demanda de ser presidente ou CEO, não pensavam duas vezes, eu era a interina. Quando eu fui presidente, fiquei oito anos na Pandora e tive a oportunidade de fazer expansão por três anos. Eu fiz expansão, abrindo loja, fazendo a coisa acontece, alavancando internamente. Esse é o processo de ser a cadeira número 1. Eu queria ser o melhor naquilo que eu me propus a fazer. Faz oito anos que eu estou nesse universo de conselho e não quero ser uma conselheira mediana, eu quero ser a conselheira.

Hoje, como conselheira em auditoria, em comitê de auditoria e conselheira em pessoas e sustentabilidade, já estou sendo reconhecida e quero ser hoje no mercado o que tem de melhor dentro da sociedade.

Ivan Lima: Você já tem a receita que é se preparar e realmente trabalhar. É o que você falou, conhecimento é poder.

Rachel Maia: Não tem outra forma e não é só livros, tá? Quando eu era presidente ou lá atrás, quando eu comecei esse papo de mentoria, meus mentores eram minha mãe, que tinha até o terceiro ano e meu pai. Então, parte do meu conhecimento vinha dos livros, e outra vinha da humildade, que é você conversar com pessoas. Você procurar pessoas que têm mais maturidade e conhecimento, também é muito importante.

Ivan Lima: Sabe que é importante falar isso porque agora é um momento justamente da gente entender essa questão da pluralização que você tanto fala. Pela sua experiência, como que no Brasil a gente consegue convencer os CEOs das grandes empresas para que, de fato, ele possa investir em diversidade, inclusão, equidade e trabalhar essas pautas?

Rachel Maia: Você não convence ninguém, são resultados. A inspiração tem de vir por meio dos números que fazem a roda girar. Então, é uma questão estratégica social. Antes você via só números no centro do processo, hoje, são pessoas e resultados. Então, quando você olha esse conjunto de pessoas e resultados, você tem que fazer estratégias para que pegue esses talentos e faça isso reverberar. Muitas vezes você inova desconstruindo e construindo novamente, com novos conhecimentos.

Como que você progride com novos talentos? Trazendo propósito, trazendo questões ambientais, climáticas e questões de direitos humanos, que antes, não é que era aceitável, mas acontecia de gestores e afins gritarem, baterem na mesa e tratarem os seus subordinados de forma desrespeitosa, estando tudo muito bem. Hoje não. A nova geração, se não vê propósito na sua empresa, ela pega sua bolsa e sai fora. Hoje tem que ser um mix da nova geração e a tradição, a maturidade e o que tem de inovador. Caso contrário, essa empresa está fadada ao fracasso.

Ivan Lima: Você me inspira quando fala assim. Vejo que é importante, tanto o homem quanto a mulher, a diversidade e a pluralidade para poder ter criatividade e inovação e trazer rentabilidade e lucratividade.

Rachel Maia: Quando você fala pluralidade, diversidade, tudo que você faz tem que estar imbuído destas pautas. Muitas vezes você não precisa nem falar a palavra, a sua ação, o seu propósito tem que mostrar tal. Você muitas vezes tem que entrar mudo e sair calado, pois a sua ação já representou a pluralidade. Agora, quando você fica muito cheio de palavrinha e aí você vai olhar a foto e não tem nada de pluralidade, ou você vai olhar o resultado e não tem o resultado que represente uma diversidade, aí, meu amigo, tem que voltar pro final da fila e aprender.