Empresas poderão abrir ações contra compensação tributária
Segundo tributaristas, a medida, considerada um empréstimo compulsório, é inconstitucional, desrespeita o direito de contribuintes e deve agravar o cenário de judicialização no Brasil.
Especialistas analisam as novas regras de compensação tributária. (Foto: Divulgação)
Empresas que obtêm vitórias contra a União em litígios tributários conquistam o direito de abater o valor pago em impostos indevidos de recolhimentos acumulados, como ICMS, PIS e Cofins, para quitar seus débitos fiscais. Contudo, as novas regras de compensação tributária, em vigor desde o início de janeiro, impõem um limite anual para o uso dos créditos.
De acordo com especialistas, as mudanças são inconstitucionais, impactam a segurança jurídica e o equilíbrio entre Fisco e contribuintes e devem conduzir a novas judicializações no Brasil.
Carolina Massad, sócia do escritório Massad Advogados. (Foto: Divulgação)
Carolina Massad, sócia do escritório Massad Advogados, explica que, com a alteração, créditos tributários acima de R$ 10 milhões só poderão ser compensados dentro de prazos mínimos, que variam, dependendo da quantia, de 12 a 60 meses.
“Significa dizer que os contribuintes, embora tenham créditos em montante suficiente para compensar todos os tributos federais de cada mês, só poderão utilizar, mensalmente, um percentual do crédito a que fazem jus e, consequentemente, serão obrigados a desembolsar dinheiro do caixa para fazerem novos pagamentos”.
Daniel Zugman, sócio do BVZ Advogados, ainda esclarece que a imposição de limites faz parte do pacote de propostas do Governo Federal para aumentar a arrecadação nos próximos anos e reduzir o déficit fiscal.
Daniel Zugman, sócio do BVZ Advogados. (Foto: Divulgação)
“O objetivo é mitigar o impacto da compensação, que apesar de ser um procedimento legal e legítimo, reduz os ingressos no caixa da União”, afirma.
Para Ademir Gilli, sócio fundador do Gilli Basile Advogados, a limitação fere um direito adquirido de contribuintes e ainda lhes impõe uma nova obrigação.
Ademir Gilli, sóciofundador do Gilli BasileAdvogados. (Foto: Divulgação)
“As empresas passam anos recolhendo tributos, muitas vezes manifestamente inconstitucionais, e, mesmo assim, somente podem reaver esses valores após o trânsito em julgado da decisão que lhe foi favorável, o que costuma levar décadas. Limitar a utilização após todo esse tempo é impor a obrigação de financiar o Poder Público sem que seja por meio de tributos. Não há razões para o fisco querer se sobrepor, e mesmo devendo para contribuinte, exigir que lhe seja pago o tributo mensal que pode ser compensado”.
Em concordância, Carolina diz que a medida representa um verdadeiro empréstimo compulsório, em que o Governo, forçadamente, posterga o pagamento da sua dívida e compele contribuintes a arcarem com as contas públicas.
“Trata-se de algo ilegal e inconstitucional, passível de ser contestado no Judiciário. O Governo ‘passou a perna’ no contribuinte de uma forma que, a meu ver, não pode ser considerada legítima, tendo em vista a violação dos princípios da coisa julgada, segurança jurídica e proteção da confiança”, ressalta.
Frederico Bastos, sócio do BVZ Advogados. (Foto: Divulgação)
Frederico Bastos, também sócio do BVZ Advogados, engrossa o coro frisando que, além de trazer grave insegurança jurídica, violar direitos adquiridos, o princípio da irretroatividade e a coisa julgada, afinal contribuintes já tinham autorização judicial definitiva para realizar a compensação de maneira irrestrita, a mudança, considerada um confisco, configura enriquecimento ilícito da União às custas dos contribuintes.
“Provavelmente, a limitação será questionada judicialmente, tendo em vista os fundamentos de ilegalidade e inconstitucionalidade e o relevante impacto financeiro que ocasionará para as grandes empresas. É inevitável que medida crie um novo e indesejado contencioso tributário, que poderá se alongar por anos até a definição do Poder Judiciário”.
Se por um lado, segundo o Ministério da Fazenda, um dos objetivos da mudança é dar mais previsibilidade ao erário, do outro, empresas que fizeram todo um planejamento de compensação para o ano serão obrigadas a retirar do caixa um valor que não estava previsto.
Segundo a Receita Federal, o valor não compensado por contribuintes deve gerar cerca de R$ 20 bilhões em fluxo ao Estado ainda neste ano, contudo, como demonstram os especialistas, isso será feito em desrespeito ao direito do contribuinte, já que a jurisprudência admite a compensação de forma irrestrita.
“Não é razoável admitir que o devedor (União) imponha restrições na utilização do crédito tão somente para ajustar a sua arrecadação. Se o Poder Judiciário admitir tamanha abusividade, logo a legislação será alterada outra vez, reduzindo os valores e aumentando o número de meses mínimos para compensação, sempre com o mesmo argumento da necessidade de arrecadação. Permanecendo tamanha abusividade, logo a compensação terá o mesmo fim dos precatórios”,alerta Gilli.