Samuel Pessoa: “Para reformar o teto, é preciso saber qual carga tributária a sociedade se dispõe a pagar”

Economista ainda vê problema, caso o Congresso encontre alguma forma de fazer que esse gasto fique restrito ao ano que vem e, de 2023 em diante.

Samuel Pêssoa (FGV IBRE)
Samuel Pessoa, pesquisador associado do FGV IBRE (Foto: Divulgação/FGV IBRE)

Considera viável equacionar o buraco Orçamentário de R$ 70 bilhões para 2022, conforme expôs na edição de setembro da Conjuntura Econômica?

Para atender os interesses de todos, será preciso um gasto extra teto em 2022. O problema é o Congresso achar uma forma de fazer que esse gasto fique restrito ao ano que vem e, de 2023 em diante, discutamos a regra do teto.

De que forma manter a confiança do mercado numa ancoragem fiscal até essa revisão?

Acho que o mercado não olha muito para os itens do gasto, mas se, caso no ano que vem haja uma quebra da restrição orçamentária, qual seria sua implicação para o futuro. Porque o impacto da política fiscal para a inflação ocorre por dois canais totalmente distintos. O primeiro é haver impulso fiscal, porque se a economia tiver se aproximando do pleno emprego pode gerar uma pressão inflacionária. Em geral, para o impulso fiscal o que a gente olha é se o gasto está aumentando ou não em relação ao ano anterior, por exemplo.  Este ano teve extra teto de 120 bi e alguma coisa. Se tivermos um extrateto significativamente menor, do ponto de vista do impacto direto da política fiscal sobre oferta e demanda, não vai estar contribuindo para gerar inflação. O segundo canal pelo qual a política fiscal afeta a inflação é pelo canal da expectativa, que é qual o grau de confiança que as pessoas têm nas instituições fiscais brasileiras, em que a dívida pública vai ser amortizada e rolada sem a necessidade de se recorrer à inflação. Se elas estão em dúvida com relação a isso, o câmbio é pressionado, bate na inflação, o BC tem que subir juros, a subida de juros do BC piora situação fiscal porque é preciso gastar mais dinheiro para rolagem da dívida, e cria-se uma bola de neve.

Será inevitável que o teto entre na pauta dos candidatos à Presidência?

Acho que sim, e é saudável que as eleições sejam pautadas pela necessidade de solvência do setor público. Essa é questão mais importante na nossa sociedade hoje.

Como reformaria a regra fiscal de gastos?

Acho que, para pensar numa reforma, precisamos saber primeiro quanto a sociedade está disposta a entregar para o estado brasileiro. Podemos fazer um teto mais frouxo do que esse, isso só pode acontecer se a sociedade der mais receita para o Estado. Isso definido, entendo que um teto reajustado só pela inflação não faz sentido no longo prazo, porque o PIB cresce. É razoável que o gasto cresça mais ou menos na mesma proporção do PIB, depois de equacionada a questão da receita. Então, seria razoável substituir essa meta por uma que seria inflação mais crescimento de alguma medida do PIB potencial. Por que prefiro PIB potencial? Para que o gasto tenha alguma componente contracíclica. Dessa forma, se o PIB está crescendo muito, o gasto não cresce na mesma medida; se está caindo muito, não cai na mesma medida. E acho que o ideal seria que uma instituição independente calculasse esse PIB potencial e determinasse alguns parâmetros para a construção do Orçamento.

Considera que o aprimoramento de regras fiscais também pode influenciar positivamente na economia política do processo orçamentário?

Sem dúvida o teto de gastos organizou a economia política brasileira. Se não tivesse teto, já estaríamos caminhando para a inflação aberta. Mas nossa cena política tem um defeito grave, que é depender muito da qualidade da liderança. Nosso presidencialismo requer que o presidente seja muito habilidoso na construção e gerência da coalizão. O que quer dizer isso? É como ele constrói a conversa, a relação com as bases partidárias. Está discutindo só um toma-lá-dá-cá ou um projeto de país? A partir dessa conversa haverá um compartilhamento de poder e os partidos participarão dos ministérios? Essa participação vai ocorrer conforme o peso relativo de cada partido na coalizão? Partidos maiores serão mais compensados? O partido do presidente será sobre-representado nos ministérios? A ideologia da coalizão será muito diferente da média do Congresso? A coalizão será muito heterogênea ideologicamente?

Para lidar com essas questões, um presidente tem que adorar fazer política. Quando se elege uma pessoa despreparada, que não gosta de interagir, ouvir, ou é uma tecnocrata de péssima qualidade, a relação Executivo-Legislativo se torna complexa e a resposta do sistema é natural, de tirar poder do presidente e transferi-lo para o Congresso.

Aí entra a questão do orçamento impositivo. Antes emendas parlamentares eram negociadas entre o Tesouro e as lideranças partidárias. E essa negociação se dava tendo como contrapartida a aprovação de medidas que o Executivo mandava para o Congresso e que atendiam a um interesse coletivo. Agora, quem toca as emendas é o presidente da Comissão de Orçamento. Piorou muito. Mas esse é um tema que não tem relação com o teto de gastos, e sim com a capacidade de o Executivo em liderar o presidencialismo de coalizão de temos. Quão mais bem-sucedido for, mais barata é a negociação para a aprovação se seus projetos.

(Fonte: FGV IBRE)