Samuel Pessoa: O que esperar da economia brasileira em 2022?
Inflação deve ir a 5,5% este ano. Juro real de 6% levaria PIB a não crescer em 2022, mas, com impulso fiscal eleitoral (União e Estados), pode-se chegar a 1-1,5%. Se governo eleito se comprometer com responsabilidade fiscal, pode ocorrer apreciação cambial no fim do ano.
Samuel Pessoa, professor assistente da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro (EPGE/FGV) e Chefe do Centro de Crescimento Econômico do Instituto Brasileiro de Economia (FGV IBRE). (Foto: Divulgação/FGV IBRE)
Primeira coluna do ano. Férias de verão. É o momento de olhar para 2022 e tentar observar o que nos espera. A economia caiu 4,1% em 2020 e recuperou-se da queda em 2021. Provavelmente a economia cresceu 4,6% em 2021. Segundo as estimativas da equipe do boletim macroeconômico do FGV-Ibre, no quarto trimestre de 2021 a economia rodou 0,6 ponto percentual acima do mesmo trimestre de 2019.
A recuperação, após a parada súbita produzida pela epidemia no segundo trimestre de 2020, teve dois tempos. Nos três trimestres até o primeiro de 2021, a economia retornou em ‘V’, com a recuperação dos setores de maior produtividade. Tivemos muito PIB e pouco emprego. Ao longo dos demais trimestres do ano, tivemos a economia andando de lado (com leve melhora no quarto trimestre), mas com razoável geração de emprego.
A composição setorial do quarto trimestre de 2021 indica que os dois setores que mais demoraram a se recuperar, outros serviços e serviços da administração pública, que correspondem respectivamente a 14% e 15% do PIB, rodaram 0,9% e 0,7% acima do nível do quarto trimestre de 2019.
Essa normalização da economia em dois tempos, em seguida à parada súbita, apareceu no mercado de trabalho. A tabela abaixo apresenta a recuperação da população ocupada (PO). Os dados estão em milhares de postos de trabalhos e a tabela considera três períodos de retomada (o terceiro é a soma dos dois primeiros). A queda do emprego promovida pela crise que resultou da epidemia ocorreu entre março e junho de 2020. A recuperação no primeiro período teve muito PIB e pouco emprego – entre julho de 2020 e março de 2021 – e, no segundo, aconteceu com pouco PIB e muito emprego – entre abril de 2021 e outubro de 2021, último dado disponível.
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PO |
PO FORMAL |
PO INFORMAL |
Perda entre março e junho de 2020 |
-12.613 |
-5.494 |
-6.934 |
Recuperação de julho de 2020 até março de 2021 |
4.754 |
2.324 |
2.392 |
Recuperação de abril de 2021 até outubro 2021 |
8.693 |
3.031 |
5.649 |
Recuperação de julho de 2020 até outubro de 2021 |
13.447 |
5.355 |
8.041 |
No segundo período foram criados 80% a mais de empregos do que no primeiro. Adicionalmente, se, no primeiro período, para cada emprego formal foi criado um outro emprego informal, no segundo período, para cada emprego formal, foram criados pouco menos de dois empregos informais.
Em 2021 tivemos diversos choques de preços. A inflação terminou o ano na casa de 10%, ante previsão de 3,5% que fiz em dezembro de 2020. Essa enorme surpresa inflacionária teve elementos domésticos, como a seca que gerou forte inflação das tarifas de energia elétrica. Para termos uma ideia, a inflação de serviços administrados foi de 18% em 2021, para 1,5% em 2020. Somente a inflação de administrados adicionou 4 pontos percentuais à inflação de 2021.
Adicionalmente, tivemos o choque de preço dos bens industriais, principalmente dos bens de consumo duráveis. A volta rápida da demanda mundial, em seguida à parada súbita da economia global no segundo trimestre de 2020, ainda em plena epidemia, gerou forte desequilíbrio. A demanda de bens veio forte enquanto a demanda dos serviços não voltava. A recuperação rápida da economia, com desequilíbrio da demanda, provocou queda dos estoques de bens e dos insumos empregados na sua produção e, por fim, desorganização das cadeias produtivas.
As cadeias globais de produção de bens, principalmente de bens de consumo duráveis, engasgaram. Por exemplo, segundo a sondagem da indústria do FGV Ibre, no quarto trimestre de 2021, 20% da indústria de transformação reportava problemas com falta de matérias primas. Para a indústria de bens de consumo duráveis, esse número subia para pouco menos de 60%. A inflação de bens industriais, de 2,5% em 2020, fechou 2021 em 11,6%. Somente a inflação de bens industriais adicionou uns 2 pontos percentuais à inflação de 2021.
Para 2022, esperamos que a inflação caia. Penso que o ciclo de alta da Selic irá até 11,5% ou 12% e ficará nesse patamar até que a inflação recue. Talvez o novo ciclo de baixa ocorra somente a partir de meados de 2023. Mas aí já estou especulando. O importante é que, com Selic a 11,5% e nossa previsão de inflação fechando o ano em 5,5%, teremos juro real na casa de 6%. Dado que a taxa neutra – aquela que não contrai nem expande a demanda – é da ordem de 3%, a contração monetária será de aproximadamente 3 pontos percentuais ou um pouco mais. Uma contração monetária dessa ordem reduz a atividade em 0,7 ponto percentual. Exatamente o valor do carregamento estatístico que o crescimento de 2021 legará para 2022. Assim, o efeito conjunto do carregamento estatístico e da contração monetária faria com que o crescimento de 2022 fosse zero.
Mas em 2022 teremos eleições. Haverá impulso fiscal, tanto da União, quando dos Estados. A receita de ICMS rodou, em 2021, 16% acima de 2019, em termos reais, deflacionada pelo IPCA. Penso que o crescimento será da ordem de 1-1,5% em 2022, impulsionado principalmente pela expansão fiscal. Teremos em 2022, como foi normal ao longo da primeira década do século, pé no acelerador da política fiscal e pé no freio da política monetária.
Com relação ao câmbio, considero que a taxa atual, algo em torno de R$5,6 por dólar, é muito desvalorizada. Dado o comportamento dos preços das commodities, o câmbio deveria estar próximo de R$4. A fraqueza de nossa moeda deve-se à enorme incerteza com relação ao regime da política fiscal. Haverá a partir de 2023 um retorno à agenda de construção de um superávit estrutural compatível com a redução da dívida pública? Não se sabe. Se o novo governo eleito se comprometer com a responsabilidade fiscal, deverá haver, no final do ano, expressivo fortalecimento da moeda.