Rodolpho Tobler: Comércio e serviços já refletem piora da confiança dos consumidores
O economista avalia as projeções recentes e aponta quais as razões estão por trás da baixa no segmento.
Rodolpho Tobler, Analista econômico da Superintendência Adjunta de Ciclos Econômicos do FGV IBRE (Foto: Divulgação/FGV IBRE)
Sondagem do FGV IBRE divulgada nesta terça-feira (29) aponta que empresários dos setores de comércio e serviços já sentem a piora do ânimo dos consumidores e mostram mais preocupação com o cenário macroeconômico, especialmente pela pressão inflacionária e os efeitos da crise hídrica. O Índice de Confiança do Setor de Serviços caiu 2 pontos em setembro em relação ao mês anterior, para 97,3 pontos, interrompendo cinco altas seguidas. Já no comércio a retração observada foi de 6,8 pontos, para 94,1, segunda queda consecutiva.
Rodolpho Tobler, analista responsável pela divulgação de ambos os índices, afirma que o resultado de serviços ainda não deve ser considerado um sinal de reversão de tendência, mas uma possível desaceleração do ritmo de recuperação do setor. A queda de setembro foi influenciada especialmente pela percepção dos empresários quanto ao futuro, com uma retração do Índice de Expectativas de 3,4 pontos, mas que ainda mantém o índice acima de 100 pontos, que é o nível de neutralidade. “A instabilidade no ambiente macroeconômico traz incerteza, e possivelmente o mini boom que se esperava com a ampliação das medidas de flexibilização venha menos expressivo”, diz. Tobler lembra, entretanto, que mesmo com a piora na ponta a confiança do setor fechou o terceiro trimestre do ano acima do nível pré-pandemia. Nesse período, destaca-se o segmento de serviços prestados às famílias, que sozinho registrou alta de 15 pontos em relação ao trimestre anterior.
Confiança do setor de serviços: ainda acima do nível pré-pandemia
Para o comércio, a fotografia é mais preocupante, afirma Tobler, com o resultado de setembro apontando uma tendência desfavorável para o quarto trimestre, comprometendo as expectativas para o Natal e início de 2022. “A queda observada em agosto, além de ter sido menor (-0,1 ponto em relação ao mês anterior), foi mais concentrada no segmento de materiais de construção, o que poderia estar relacionado a certa acomodação, depois do pico de demanda observado no ano passado”, diz. Tobler também lembra que parte dessa demanda de materiais foi gerada por pequenas obras residenciais, e que um aperto nas condições financeiras das famílias pode levá-las a priorizar o consumo de produtos essenciais, mantendo cautela quanto aos demais gastos. “Em setembro, entretanto, todos os segmentos passaram a registrar queda - mesmo aqueles que tiveram bom desempenho no ano passado, como móveis e eletrodomésticos”, descreve, apontando que segmentos mais impactados pela pandemia, como veículos e autopeças, tecidos e calçados poderão levar mais tempo para se recuperar.
Confiança do comércio: possibilidade de reversão no quarto trimestre
Diferentemente do setor de serviços, que desde maio de 2020 registrou o índice que capta as expectativas sempre à frente ao da situação atual, na maior parte da pandemia os empresários do comércio demonstraram mais otimismo com a situação atual do que com a futura. “Foi um comportamento muito relacionado com as medidas restritivas. Após o primeiro choque, muitos empresários percebiam que seu volume de vendas não tinha caído tanto quanto esperavam, representando certo alívio naquele momento, mais ainda mantiveram certo receio com os meses seguintes e a possibilidade de recrudescimento da pandemia”, explica Tobler. Mesmo com a situação sanitária mais controlada, especialmente com o avanço da vacinação, o analista lembra que o restabelecimento de certas atividades de serviços, disputando o interesse do consumidor, passa a entrar no radar dos empresários de comércio, que sentem o impacto em seus resultados no volume de vendas do mês corrente e projeta essa tendência para o futuro.
Tobler ressalta, entretanto, que o maior desafio para a confiança dos empresários daqui adiante será – além do avanço no controle da pandemia – o cenário inflacionário e o do mercado de trabalho. Ele lembra que o Índice de Confiança do Consumidor de setembro recuou ao menor patamar desde abril, na segunda onda da pandemia, e se encontra muito abaixo do nível de neutralidade, com 75,3 pontos, e distante da confiança dos empresários. “Ambos os setores dependem de como ficará o humor do consumidor. Com o poder de compra cada vez mais restrito pela recuperação incompleta do mercado de trabalho – seja do ponto de vista da taxa de desemprego, ou do rendimento médio – e pelo aumento dos preços, a tendência é de que este ano fechará não tão bom quanto pensavam”, conclui.
Confiança do consumidor recua em todas as faixas de renda
(indicador em pontos; 100 é o nivel de neutralidade)
Mesmo com os últimos dados do Caged apontando um desempenho do mercado formal de trabalho melhor que as expectativas de mercado, e a PNAD Contínua divulgada hoje (30/9) registrar uma queda na taxa de desocupação de 1 ponto percentual entre maio e julho em relação ao trimestre terminado em abril, fechando em 13,7%, altas como a da subocupação por insuficiência de horas trabalhadas (7,7 milhões, recorde da série histórica, com crescimento 34% frente ao mesmo trimestre de 2020) e da informalidade, que hoje representa 40,8% da população ocupada, e uma queda de 8,8% no rendimento real habitual frente ao mesmo período de 2020, apontam a um cenário de recuperação do emprego ainda preocupante.