Manoel Pires: Ressignificando o PIB

O governo comemorou a qualidade do PIB, apesar da queda da atividade econômica no terceiro trimestre. Mesmo considerando as atipicidades o PIB veio fraco indicando um cenário difícil pela frente. A tentativa de ressignificar o PIB não vem de hoje e não muda os fatos.


Coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV/IBRE e pesquisador da UnB.(Foto: Divulgação)

O IBGE informou que o PIB do terceiro trimestre caiu 0,1% em relação ao trimestre anterior. Pelo lado da oferta, a agropecuária apresentou queda de 8% enquanto a indústria ficou estagnada e os serviços, principal setor atingido pela pandemia, cresceu 1,1%.

O reflexo desse resultado pelo lado da demanda foi uma queda expressiva das exportações (-9,8%) e a estagnação dos investimentos (-0,1%). O consumo das famílias e do governo cresceram, respectivamente, 0,9% e 0,8% em relação ao trimestre anterior.

Muitas vezes os indicadores trimestrais sofrem algum tipo de efeito estatístico como o procedimento de dessazonalização dos dados ou são afetados por questões pontuais que podem distorcer o quadro. Assim, é útil observar que o resultado acumulado em quatro trimestres apontou expansão de 3,9%. O ano deve fechar com crescimento em torno de 4,7%, mas esse crescimento é resultado da recuperação ocorrida no início do ano. Na margem, o PIB estagnou indicando que a atividade econômica está muito fraca.

O resultado do PIB do 3º trimestre não foi bom, mas o governo conseguiu comemorar a informação pela sua pretensa qualidade referindo-se à elevação da taxa de investimento que alcançou 19,4% do PIB e à escassez de chuvas que afetou negativamente o resultado da agropecuária. Sem considerar a agropecuária, o PIB teria crescido um pouco no 3º trimestre.

A elevação da taxa de investimento ocorreu quando se observa a estatística acumulada em quatro trimestres. Com a adição da nova informação, esta métrica excluiu o segundo trimestre do ano anterior quando o investimento apresentou queda real de 13,6% o que produziu um salto estatístico no indicador. No terceiro trimestre de 2020, a taxa de investimento atingiu 21,7% enquanto no segundo trimestre de 2021 chegou a 19% frente a 18,3% do terceiro trimestre do mesmo ano. A desaceleração do investimento é evidente e o processo foi reforçado pela queda real nesse trimestre.

Não deveria haver dúvidas de que o difícil quadro climático determinado pela escassez das chuvas tenha importância preponderante no resultado da agropecuária. O problema está: (i) em não fazer essa ponderação quando a agropecuária cresce em função de condições extremamente favoráveis e; (ii) em não reconhecer que o regime de chuvas tem se tornado cada vez mais instável. A agropecuária apresentou queda em três dos últimos quatro trimestres.

Essa tentativa de ressignificar o PIB não é recente. Em 2019, o governo divulgou um polêmico estudo que propôs a decomposição do PIB entre uma parte privada e pública. Existem vários problemas nessa decomposição a começar pelo fato de que o consumo das famílias (parte privada) é afetado pelas transferências de renda (principal item do gasto público).  O estudo identificava que a recuperação, que não houve, estava sendo puxada pelo setor privado. Em 2019, o PIB cresceu apenas 1,2% frente a 1,8% de 2018. Com o surgimento da pandemia e o aumento dos gastos públicos, o estudo deixou de ser divulgado.

Na última semana, o governo revisou os dados do mercado de trabalho de 2020 mostrando que houve perda de 191,5 mil empregos ao invés de ampliação conforme sugeria a pesquisa anteriormente. Segundo o IBGE, o rendimento médio do trabalhador recua há quatro trimestres. No “PIB da qualidade” falta investimento, emprego e renda.

Não existe PIB ressignificado pela sua qualidade, mas sim pelo seu crescimento com distribuição. Cabe às autoridades econômicas conduzir a política econômica com serenidade para que tenhamos crescimento sustentável e com distribuição de renda. Esses são grandes desafios de uma recuperação econômica que ocorre com muitos percalços e incertezas. Tergiversar sobre o sentido dos dados não é um bom caminho.

(Fonte: FGV/IBRE)