Fernando Veloso: uma nova chance para a Reforma Tributária

Foi retomada, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a discussão da reforma tributária proposta pela PEC 110/2019. Sua aprovação representaria uma grande melhoria do sistema tributário, contribuindo para a eliminação de inúmeras distorções do atual modelo.


Fernando Veloso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV IBRE) da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, professor da Escola de Pós-Graduação em Economia. (Foto: Reprodução)


Nesta semana foi retomada, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a discussão da reforma tributária proposta pela PEC 110/2019. A votação foi adiada para o dia 23 de março, o que oferece uma boa oportunidade para uma análise do substitutivo do Senador Roberto Rocha.

Assim como a PEC 45/2019, que tramita na Câmara dos Deputados, a PEC 110 tem como principal objetivo a unificação de tributos sobre bens e serviços das esferas federal, estadual e municipal na forma de um imposto sobre valor adicionado (IVA). Este é o regime utilizado por grande parte dos países desenvolvidos e tem várias vantagens, como transparência, simplicidade e desoneração do investimento e das exportações.

Na medida em que não incide sobre os insumos adquiridos por uma empresa, o IVA elimina os incentivos para decisões ineficientes de verticalização. O sistema proposto de crédito financeiro também elimina muitas controvérsias sobre o tipo de insumo que pode ser considerado para efeito de cálculo do valor adicionado, reduzindo a insegurança jurídica.

Outro elemento comum nas duas PECs é a tributação de bens e serviços no destino da compra ou prestação dos serviços. Isso resolveria o problema da guerra fiscal, onde a tributação na origem faz com que a decisão de localização das empresas dependa de questões tributárias e não de variáveis relacionadas à produtividade dos investimentos, como infraestrutura e capital humano.

As propostas estabelecem dois mecanismos de transição para o novo regime tributário. O primeiro é um período ao longo do qual se daria uma substituição gradual dos tributos existentes pelo novo IVA. O segundo procura assegurar a preservação da receita dos entes federativos em termos reais durante determinado período, com aumento progressivo da parcela da arrecadação distribuída de acordo com o princípio do destino.

É prevista ainda a criação de um imposto seletivo (IS), com caráter predominantemente extrafiscal, com o objetivo de desestimular o consumo de certos bens e serviços, como bebidas e derivados do tabaco.

As duas propostas também eliminam inúmeros regimes especiais. A enorme complexidade desse conjunto de regras para determinados produtos e setores resulta em grande judicialização, com consequências negativas para a atividade econômica. No entanto, ambas preservam o regime especial aplicado a pequenas e microempresas (Simples) e a Zona Franca de Manaus.

O substitutivo do Senador Roberto Rocha incorpora contribuições das duas PECs, assim como do PL 3887/2020, que institui a contribuição sobre bens e serviços (CBS), de iniciativa do governo federal. Como o próprio relator reconhece, sua proposta se beneficiou em grande medida do substitutivo apresentado pelo deputado Aguinaldo Ribeiro ao final dos trabalhos da Comissão Mista Temporária da Reforma Tributária.

A seguir, vou me ater a alguns pontos fundamentais do substitutivo que tentam superar impasses que surgiram ao longo da tramitação. Uma mudança em relação às PECs 45 e 110 é a criação de dois IVAs. O primeiro, de competência da União (CBS), unifica o PIS e a Cofins, na linha do PL 3887. O segundo, de competência dos estados e municípios (IBS), unifica o ICMS e o ISS. Os dois teriam características semelhantes, mas seriam regulados por leis e decretos diferentes e teriam administração e fiscalização independentes. Esta mudança foi uma tentativa de superar dificuldades na conciliação de interesses entre a União e os entes subnacionais.

Ao invés de estabelecer uma alíquota de IVA comum para todos os entes, o substitutivo adotou o modelo proposto na PEC 45, que prevê que cada ente fixará, independentemente e mediante aprovação de lei própria, a alíquota para o IBS incidente sobre as operações em que figurar como destino do bem ou serviço. Essa alteração tem como principal objetivo evitar questionamentos de descumprimento de cláusula pétrea relativa à autonomia federativa.

Por outro lado, a alíquota do IBS fixada por cada ente seria única e abrangeria todos os bens e serviços. Segundo o relator, a autonomia dos entes e a diversidade de alíquotas não representaria um incremento da complexidade do sistema, dado que todas as demais regras seriam fixadas em uma lei complementar única nacional.

Como sempre ocorre quando se procura criar regras gerais, existem várias exceções previstas no substitutivo, além de outras que podem vir a ser criadas mediante lei complementar. Dentre as já estabelecidas no texto, incluem-se regimes diferenciados de tributação (em que o modelo de cobrança de imposto poderá diferir do regime geral) para alguns produtos e serviços, como combustíveis, serviços financeiros e transações com imóveis.

Outra modalidade de exceção ao regime geral consiste nos regimes especiais e favorecidos (em que a alíquota de tributação é mais baixa que a do regime geral). Além da previsão de tratamento favorecido no âmbito do Simples e da Zona Franca de Manaus, o substitutivo permite que outros regimes especiais sejam criados mediante lei complementar.

Embora não seja adequada sob o ponto de vista técnico, a possibilidade de manutenção de regimes especiais é uma tentativa de viabilizar a reforma politicamente diante da resistência de vários setores, particularmente no setor de serviços, como saúde, educação e transporte urbano.

Minha avaliação é que, mesmo diante das concessões políticas que foram feitas no substitutivo, sua aprovação representaria uma grande melhoria do sistema tributário, contribuindo para a eliminação de inúmeras distorções que reduzem a produtividade e para a redução da insegurança jurídica.

O risco que se coloca é que, diante da dificuldade de aprovação no Senado, sejam feitas novas concessões a setores específicos que venham a descaracterizar o objetivo central da proposta, como ocorreu ano passado com a reforma do imposto de renda. Neste caso, seria melhor deixar para o próximo governo.

Fonte: FGV IBRE