Fernando Veloso: produtividade abaixo do nível pré-pandemia

A queda da produtividade em 2021 decorreu da reversão das mudanças na composição da produção e do emprego que tinham ocorrido em 2020. A produtividade se encontra abaixo do nível pré-pandemia e, com a retomada dos setores menos produtivos, pode ocorrer nova queda este ano.


Fernando Veloso é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro e professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV/RJ (Foto: Divulgação)


Desde 2020 tenho discutido neste espaço a evolução da produtividade ao longo da pandemia. Com dados de 2021 já disponíveis para o Brasil e algumas economias avançadas, é possível ter uma ideia mais clara do que aconteceu nos últimos dois anos.

Começando pelos países desenvolvidos, a produtividade por hora trabalhada nos Estados Unidos cresceu 1,9% em 2021, refletindo um aumento de 7,4% do valor adicionado e de 5,4% das horas trabalhadas. Em 2020 já havia sido registrado um aumento da produtividade de 2,4%, mas neste caso decorrente da combinação de uma queda maior das horas (-6,6%) que do valor adicionado (-4,4%).

Os dados divulgados pelo FED de São Francisco mostram que também houve crescimento da produtividade total dos fatores (PTF) nos Estados Unidos tanto em 2020 (0,5%) como em 2021 (1,4%). As duas medidas incorporam um ajuste da PTF pelo grau de utilização dos fatores de produção. Como a utilização caiu muito em 2020 e teve forte aumento em 2021, sem este ajuste os resultados seriam muito diferentes, com queda de 1,5% em 2020 e crescimento de 4,2% em 2021.

Isso ressalta a dificuldade de se mensurar corretamente a produtividade ao longo da pandemia. Os dados do Reino Unido ilustram outro desafio, que foi o fato de que alguns indicadores de produtividade tiveram comportamento muito diferente nos últimos dois anos.

Em 2020, enquanto a produtividade por hora trabalhada no Reino Unido cresceu 1,2%, a produtividade por trabalhador ocupado caiu 8,7%. Essa discrepância se deveu à política de manutenção do emprego com redução das horas trabalhadas adotada no Reino Unido, assim como em vários países europeus e alguns emergentes como o Brasil, que fez com que as horas trabalhadas caíssem muito mais que o emprego em 2020.

Já em 2021, com a recuperação das horas trabalhadas e da atividade econômica, houve forte crescimento da produtividade por trabalhador ocupado (8,0%) e aumento bem menor da produtividade por hora trabalhada (1,2%). Os dados do Office for National Statistics (ONS) mostram que no quarto trimestre de 2021 as duas medidas de produtividade do trabalho tinham convergido para um patamar pouco acima do nível pré-pandemia.

Para o Brasil, os dados divulgados recentemente pelo Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE também mostram diferenças significativas entre os indicadores de produtividade do trabalho durante a pandemia.

Enquanto em 2020 a produtividade por hora efetivamente trabalhada deu um salto de 12,1%, a produtividade por pessoal ocupado aumentou 4,3%. Já em 2021, com recuperação do emprego e principalmente das horas trabalhadas, houve queda das duas métricas, mas muito maior da produtividade por hora efetiva (-8,3%) que da produtividade por pessoal ocupado (-0,6%).

Quando analisamos a evolução da produtividade ao longo dos últimos trimestres, constatamos que no quarto trimestre de 2021 a produtividade por hora efetiva já se encontrava 1,4% abaixo do nível pré-pandemia. Na mesma base de comparação, a produtividade por pessoal ocupado estava ligeiramente acima (0,1%).

O mesmo padrão pode ser observado quando analisamos o indicador de PTF. Após um salto de 6,1% em 2020, a medida que considera as horas efetivas teve queda de 7,1% em 2021. Já o indicador que utiliza o número de trabalhadores ocupados subiu 1,6% em 2020 e caiu 2,5% em 2021.

Os dados trimestrais mostram que no quarto trimestre de 2021 o indicador de PTF que usa as horas efetivas já estava 4,3% abaixo do nível pré-pandemia, enquanto a medida baseada em pessoas ocupadas encontrava-se 3,5% abaixo.

O comportamento da produtividade nos últimos dois anos precisa ser interpretado com bastante cautela, já que em grande parte ele refletiu a profunda mudança no mercado de trabalho decorrente da pandemia, que em 2020 afetou principalmente trabalhadores de baixa produtividade, especialmente os informais e os de baixa escolaridade, ao passo que em 2021 esses impactos foram sendo revertidos.

Em particular, enquanto que as ocupações informais tiveram redução de 12,6% em 2020 e crescimento de 8,9% em 2021, as ocupações formais tiveram queda de 4,1% em 2020 e elevação de 2,3% em 2021. Além disso, as ocupações de baixa escolaridade foram particularmente afetadas em 2020, com redução de 18,2% no emprego de pessoas sem instrução e com ensino fundamental incompleto. Já em 2021 houve crescimento de 3,3% no número de ocupações deste grupo.

Além disso, a pandemia afetou fortemente a composição setorial da economia brasileira. Em 2020, os setores menos produtivos da economia, como outros serviços (que inclui serviços prestados às famílias e serviços domésticos, dentre outras atividades), transporte e construção tiveram maior queda de valor adicionado e emprego em comparação com setores de maior produtividade, como intermediação financeira, serviços de informação e serviços imobiliários.

No entanto, em 2021 houve crescimento expressivo do valor adicionado e emprego nos setores menos produtivos. Isto indica que a mudança na composição setorial, que contribuiu para o crescimento da produtividade em 2020, foi sendo revertida ao longo do tempo, contribuindo para a queda da produtividade em 2021.

Em resumo, a queda da produtividade em 2021 decorreu da reversão das mudanças na composição da produção e do emprego que tinham ocorrido em 2020. A produtividade já se encontra abaixo do nível pré-pandemia e, com a retomada de segmentos menos produtivos do setor de serviços e aumento da informalidade do trabalho, pode ocorrer nova queda este ano.

 

Fonte: FGV/IBRE