Fernando Veloso: a importância da resiliência
A economia brasileira é pouco resiliente. Duas décadas perdidas nos últimos quarenta anos não deixam margem a dúvidas. Precisamos aumentar a resiliência da economia e do nosso contrato social. Caso contrário, choques externos poderão resultar em novas décadas perdidas.
É pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV IBRE) da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, professor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da FGV/RJ (Foto: Reprodução)
Desde março de 2020, o economista Markus Brunnermeier, professor da Universidade de Princeton, tem realizado uma série de seminários virtuais com cientistas e economistas renomados, a Markus´ Academy. Como não poderia deixar de ser, o foco é a pandemia de Covid-19 e suas consequências.
Com base nas lições desses webinars, Brunnermeier lançou recentemente o livro “The Resilient Society”. Como o título indica, o tema central é a importância da resiliência, tanto no nível individual como coletivo. O termo se refere à capacidade de se recuperar de choques. Na ausência de resiliência, choques de natureza transitória mas de grande impacto, como a atual pandemia, podem ter efeitos permanentes, impedindo que indivíduos e economias retornem à condição que prevalecia antes do choque.
O conceito de resiliência é diferente da ideia de robustez, que diz respeito à capacidade de resistir. Também não significa minimizar risco, que se refere à frequência e tamanho dos choques. Ou seja, o objetivo não é reduzir a probabilidade de que choques ocorram ou evitar que a economia seja atingida por eles, mas desenvolver uma capacidade de reação que permita que a economia retorne rapidamente à trajetória inicial.
Um componente fundamental deste arcabouço é o contrato social. Sociedades com baixa coesão social são menos resilientes diante de choques externos, agravando seus efeitos ao invés de diminuí-los. Isso pode acontecer de diversas formas, como a adoção de políticas redistributivas de caráter populista ou a eclosão de uma convulsão social.
Com base nessas ideias, Brunnermeier analisa a pandemia e suas possíveis consequências. Do lado positivo, a pandemia induziu inovações tecnológicas em várias áreas, que contribuirão para aumentar a capacidade das economias de reagir diante de futuros choques.
No entanto, existe o risco de que a pandemia tenha diversas consequências negativas no médio e longo prazo, que podem diminuir a margem de ajuste diante de novos eventos disruptivos. Por exemplo, os trabalhadores que perderam seus empregos podem ter dificuldade de se recolocar no mercado de trabalho, tornando-se mais vulneráveis. As crianças e jovens que ficaram muito tempo sem aula (seja presencial ou virtual) também podem enfrentar sérias dificuldades de inserção futura na força de trabalho.
Do lado macroeconômico, o aumento da dívida pública decorrente dos elevados gastos de combate à pandemia pode reduzir o espaço fiscal para políticas anticíclicas nos próximos anos. Esse problema será agravado diante da necessidade de elevação da taxa de juros para reduzir a inflação.
Diante desse diagnóstico, Brunnermeier faz diversas recomendações de políticas públicas voltadas para o aumento da resiliência, abrangendo os mais diversos temas, desde questões sanitárias até aspectos macroeconômicos, financeiros e relativos ao meio ambiente.
O ponto central das propostas é que, segundo o autor, a construção de resiliência necessariamente envolve a criação de redundâncias e camadas adicionais de proteção. Embora isso resulte em aumento de custos, o benefício pode ser compensador se elevar a capacidade de proteção diante de choques.
Economias emergentes são em média menos resilientes, e consequentemente são particularmente vulneráveis a choques como a pandemia. Uma seção do livro é dedicada a este tema, incluindo comentários sobre o Brasil, em grande medida baseados no webinar com a participação de Arminio Fraga.
Minha avaliação é de que a economia brasileira é muito pouco resiliente. Duas décadas perdidas nos últimos quarenta anos não deixam margem a dúvidas.
Na década de 1980, a crise da dívida externa refletiu a combinação de choques externos com vulnerabilidades domésticas. O fim do boom de commodities no início da década passada foi agravado por políticas populistas, que resultaram em enorme desequilíbrio fiscal. A consequência foi a recessão devastadora de 2014-2016 e uma recuperação anêmica em 2017-2019, que se refletiu em aumento da pobreza e da informalidade no mercado de trabalho.
Neste contexto fragilizado, a pandemia agravou nossas dificuldades. Apesar de ter caído ano passado, a relação dívida-PIB ainda é muito elevada e vulnerável aos riscos fiscais que tendem a se agravar com a destruição em curso do teto de gastos. A inflação alta e a consequente necessidade de elevação da Selic tornam o quadro ainda mais precário.
A pandemia também teve forte impacto em diversas medidas de vulnerabilidade da inserção no mercado de trabalho. Além do aumento do desemprego, houve crescimento substancial do grupo de desalentados e subocupados por insuficiência de horas trabalhadas.
Projeções da equipe do Boletim Macro do FGV IBRE indicam que a taxa de desemprego permanecerá elevada durante vários anos. Para se atingir a faixa dos 9,5% em 2026, seria necessário um crescimento anual do PIB de 3,5% entre 2022 e 2026, algo bastante improvável dado o baixo desempenho atual da economia brasileira e as revisões para baixo das projeções de mercado para o crescimento nos próximos anos.
Apesar de ter quase triplicado os gastos em comparação com o Bolsa Família, o Auxílio Brasil não oferece proteção para milhões de trabalhadores informais de baixa renda. Nosso contrato social também está bastante esgarçado, com perspectivas de eleições presidenciais bastante polarizadas este ano.
Por essas razões, precisamos aumentar a resiliência da economia e do nosso contrato social. Caso contrário, a combinação de choques com políticas disfuncionais poderá resultar em novas décadas perdidas.
Fonte: FGV/IBRE