Economistas propõem forma de ampliar crédito e produtividade das micro e pequenas empresas
Giovanni Beviláqua, economista técnico do Sebrae Nacional, coautor do trabalho, conta ao Blog da Conjuntura Econômica detalhes sobre essa proposta.
Giovanni Beviláqua, economista técnico do Sebrae Nacional (Foto: Divugalção/FGV IBRE)
No ano passado, um grupo de economistas desenvolveu uma proposta de sistema público-privado de financiamento para micro e pequenas empresas diferenciado. A ideia é a oferta de uma modalidade de empréstimo (ECR) e de um modelo de equity chamado ISA (income share agreement) cujo respectivo pagamento estaria vinculado ao faturamento da empresa contratante. As amortizações ou transferências de dividendos se dariam através de um imposto, aos moldes de uma Cide, administrado pela Receita Federal, que repassaria os valores às instituições financeiras credenciadas a operar esses produtos. De acordo aos autores, esse sistema de financiamento contaria com duas vantagens.
A primeira, de poder ampliar o crédito a pequenos negócios com potencial de crescimento – eles ressaltam que não se trata de um programa social focalizado em empreendedores por necessidade –, a partir de produtos que usam como garantia a capacidade futura de geração de renda, apoiando-a nas intempéries que possam acometê-las no início de seu negócio. Isso porque seu custo se torna variável: quando não consigam alcançar o faturamento projetado, seus compromissos seriam automaticamente postergados, sendo honrados pela Receita. A segunda, de colaborar para o aprimoramento da gestão desses negócios – e, consequentemente, para sua produtividade –, já que a concessão do financiamento estaria condicionada a uma capacitação prévia, para a elaboração de um plano de negócios a partir do qual a instituição financeira calcularia a capacidade de alavancagem da empresa e estruturaria a operação.
Giovanni Beviláqua, economista técnico do Sebrae Nacional, coautor do trabalho, conta ao Blog da Conjuntura Econômica detalhes sobre essa proposta:
De onde surgiu a ideia do ECR e do ISA?
Foi um trabalho que surgiu de um encontro de amigos, reunidos pela preocupação profissional comum com as micro e pequenas empresas. O ponto de partida foi o trabalho de pós-doutorado de Paulo Meyer Nascimento (Ipea/ FGV EPPG), em que ele se dedica a observar experiências similares na Austrália, a transformação que estas provocaram no financiamento estudantil no país – posteriormente replicadas no Reino Unido –, e suas possíveis aplicações em outras áreas. A ele uniram-se os estudos de Mauro Oddo Nogueira e Fabiano Pompermayer, também do Ipea, e a contribuição de Luiz Esteves e eu, com nossa experiência, respectivamente, como economista-chefe do Banco do Nordeste e analista técnico no Sebrae Nacional.
O resultado foi essa publicação, na qual consideramos apresentar uma proposta sustentável para ampliar o financiamento de micro e pequenas empresas, de forma a contribuir para o aumento da produtividade desses negócios. Que, por sua importância para a economia – representam cerca de 99% das empresas brasileiras, um terço do PIB, e via de regra são os primeiros empregadores – não contam com um acesso a financiamento condizente. Desde 2012 para cá, quando temos dados disponíveis abertos por porte, verificamos que a concessão de crédito para micro e pequenos negócios representa cerca de 20% do total. É um percentual incomodamente estável.
Na pandemia de Covid-19 essa participação não aumentou?
Proporcionalmente, não. Há dois períodos bastante importantes quando se observa o crédito para pequenos negócios (conjunto formado por MEIs, microempresas e empresas de pequeno porte). O primeiro é a recessão entre 2014 e 2016, em que a concessão de crédito para pequenos negócios chegou a cair 30%, recuperando-se somente a partir de 2018, voltando ao mesmo nível de antes. O segundo momento foi em 2020, com o advento da pandemia do novo coronavírus, quando houve um grande esforço das autoridades monetárias, que considero acertado, evitando o mesmo colapso de crédito ocorrido entre 2014-17. Nesse período, ao invés de retrair 30%, este acabou crescendo 28,8%. Mas, proporcionalmente às empresas médias e grandes, a participação se manteve a mesma, em 21%, com um total em torno de R$ 348 bilhões. Em 2021, até o terceiro trimestre, foram concedidos R$ 263 bilhões, uma redução de 3,9% em relação ao mesmo período de 2020. Uma espécie de normalização, danosa na minha leitura, pois ainda estávamos em um período de recuperação, com esforços para a economia voltar. A exceção nesse período foi a liberação do Pronampe de 2021, que entre junho e julho concedeu cerca de R$ 25 bilhões de crédito a cerca de 320 mil microempresas e empresas de pequeno porte. Só essa linha correspondeu a quase 50% de todo o crédito concedido aos pequenos negócios naqueles meses. Depois disso, voltou-se à trajetória de antes.
Estruturalmente, o Brasil estaria preparado para a oferta de ECR e ISA?
Só bastariam a regulação e uma coordenação entre instituições que já existem. O que muda é o olhar sobre o financiamento. Hoje o mercado de crédito avalia a capacidade de pagamento de uma empresa olhando o passado, o que o tomador acumulou até aquele momento, basicamente como se fosse uma classificação de garantias. Não está olhando para o futuro da empresa, que é a forma como se avaliam investimentos em start ups. Do nosso ponto de vista, a avaliação dos negócios para os quais o ECR e o ISA são voltados precisa passar de um sistema de classificação de garantias para um sistema de classificação de negócios promissores. É uma mudança sutil, mas que na nossa visão tem impactos extremamente positivos.
E que vai na esteira de uma evolução que vemos acontecer no mercado financeiro. O cadastro positivo foi extremamente relevante; hoje também vemos várias instituições financeiras de base tecnológica que usam scores alternativos, informações que não eram aplicadas nos sistemas classificadores de risco tradicionais. Ou seja, hoje já se reconhece a importância de dados que vão além de informações financeiras e contábeis. O que fazemos é destacar o aspecto da gestão de negócios, do conhecimento dos empreendedores sobre seu negócio e o mercado em que está inserido, que não eram captados nas avaliações de risco.
Além disso, o cerne da proposta é o condicionamento do financiamento à qualificação e capacitação das empresas tomadoras, pois entendemos que empresas mais qualificadas e capacitadas podem reduzir seu risco e, consequentemente, ser mais bem-avaliadas e reduzir o preço do financiamento. Além disso, colaboram para a produtividade da economia coo um todo, posto que já está amplamente estudado que a diferença da produtividade de micro e pequenas empresas em relação às grandes no Brasil supera em muito à observada em países desenvolvidos.
Como mencionei, o Brasil estria pronto para adotar esse sistema, pois temos um sistema financeiro bastante robusto, com diversas instituições operando. Várias instituições que poderiam colaborar com o trabalho de qualificação – inclusive já existem no Brasil algumas fintechs que condicionam crédito a capacitação. Algo que o Sebrae também já faz há um tempo, com um programa de crédito assistido que auxilia o empresário antes, durante e depois de tomar o crédito, mitigando riscos de inadimplência. Bastaria à Receita Federal coordenar esse trabalho, já que o desenho a prevê como coletora do tributo que seria transferido às instituições financeiras.
Na proposta, vocês defendem que os pagamentos vinculados à renda, faturamento ou lucros futuros, além de preservarem o potencial de uma empresa de intempéries – permitindo o refinanciamento automático desses compromissos –, eles também mitigam o risco de inadimplências que desemboquem em um Refis. Em sua opinião, o que tornaria a Receita protegida do prejuízo de um calote que resulte, posteriormente, em renegociações nos moldes de um Refis?
Entendemos que há várias características que mitigam esse risco. A primeira é de que a proposta permite um prazo longo de pagamento, visando a evitar que se sufoque a empresa. Os valores dependem da calibragem de cada negócio – cujos detalhes e sugestões são tema de um próximo texto. E, diferentemente do que acontece em um tributo comum, a própria decisão de tomada de crédito por parte das empresas está condicionada ao seu plano de negócios e sua capacidade de pagamento. Há que se levar em conta que falamos de um público-alvo que busca a construção e criação de negócios promissores, com capacidade de crescimento. Inclusive, as empresas que observarem faturamento maior do que o projetado também poderão amortizar seu financiamento mais rapidamente. Tudo depende do objetivo que querem alcançar.