É possível morar no exterior e manter uma conta bancária no Brasil?
Especialistas explicam que é necessário observar procedimentos específicos perante o Fisco brasileiro.
Da esquerda para direita: *Carolina Delgado, Daniel Zugman e Frederico Bastos são, respectivamente, associada e sócios da prática tributária e wealth/ planejamento patrimonial e sucessório do escritório BVZ Advogados. (Foto: Divulgação)
Contexto econômico e político instável, transferência de emprego, busca por novas oportunidades e estilo de vida são alguns dos motivos que levam brasileiros a saírem do país. Segundo dados do Itamaraty, mais de 4.2 milhões de brasileiros residem atualmente no exterior.
O brasileiro que deixa o país, de forma permanente, tem a prerrogativa de formalizar a saída definitiva e renunciar à condição de residente fiscal imediatamente. Consequentemente, deixa de se sujeitar a certas obrigações tributárias, como apresentação da Declaração Anual de Imposto de Renda Pessoa Física (DIRPF). Pessoas físicas que não formalizam a saída também deixam de ser consideradas residentes fiscais no país após período de doze meses contados da saída.
Como o país adota o sistema de tributação em bases universais de seus residentes, em que são tributados todo e quaisquer rendimentos ou ganhos de capital provenientes de qualquer fonte, seja nacional ou estrangeira, transferida para o Brasil ou não, a distinção entre residente e não residente é essencial.
Para que a saída definitiva implique perda imediata da residência fiscal, é necessário observar procedimentos específicos perante o Fisco brasileiro, quais sejam: (i) apresentação de Comunicação de Saída Definitiva do País; (ii) entrega da Declaração de Saída Definitiva; e (iii) comunicação às fontes pagadoras sobre a condição de não residente.
Ainda que ocorra a observância de todas as formalidades descritas, ou que transcorram os aludidos doze meses, existem situações que podem atrair risco de manutenção da residência fiscal no Brasil, desconfigurando a saída, que pode ser vista, aos olhos do Fisco, como ineficaz.
Nesse sentido, cabe mencionar a absolutamente discutível decisão recente proferida pelo CARF (nº 2301-007.136), em que se entendeu que, em que pese o contribuinte residisse no exterior há anos, a residência fiscal no Brasil permanecia inalterada tendo em vista a contínua apresentação de DIRPFs no Brasil (de modo equivocado), o que, segundo a Corte, demonstraria a intenção do contribuinte de manter sua residência fiscal brasileira.
Diante disso, é recomendável adotar precauções para mitigar riscos de que o Fisco busque enquadrar o brasileiro que reside no exterior como um residente fiscal no país, já que, neste cenário, o contribuinte passará a ser tributado conforme as leis brasileiras (e podendo também se sujeitar à lei de seu país de domicílio, caracterizando dupla residência fiscal).
Uma das situações mais recorrentes e importantes de ser avaliada nesse contexto é a manutenção de conta junto a bancos e plataformas de investimento por residentes no exterior como se fossem residentes fiscais no Brasil, ainda que já tenham apresentado a Declaração de Saída Definitiva ou que tenham transcorridos os doze meses a partir da saída.
As instituições financeiras em geral possuem o dever de reportar, de maneira periódica, à Receita Federal do Brasil, informações acerca de movimentações e transações financeiras ocorridas. Tais informações encontram-se vinculadas a um CPF, o que permite a identificação do contribuinte titular da conta bancária. Além disso, em muitas situações a fonte pagadora é responsável pela retenção de impostos, a qual pode variar caso o CPF seja de um residente ou de um não residente.
É importante analisar cuidadosamente se a manutenção da conta bancária como se domiciliado fosse em conjunto com outros elementos poderia atrair a residência fiscal brasileira. Considerando as últimas manifestações da Receita Federal e do CARF, a manutenção da conta no país poderia dar subsídios à Receita para interpretar que, apesar de a priori ter ocorrido a perda de residência fiscal, a manutenção da conta indicaria intenção da manter a residência fiscal brasileira.
Apesar de discutível, pode fazer sentido para o indivíduo que deseja manter conta bancária no Brasil a abertura de conta de domiciliado no exterior (CDE). Esse padrão de conta, apesar de autorizado pelo Banco Central, não é oferecido por todos os bancos, já que impõe exigências regulatórias específicas – e, com isso, a depender do perfil de movimentação do cliente, o serviço passa a ser considerado desvantajoso pela instituição bancária. Além disso, as aplicações financeiras oferecidas por meio da CDE são restritas à poupança e previdência e CDBs do próprio banco.
É sabido que algumas dessas instituições adotam outros procedimentos, como a manutenção da conta de residente por domiciliado no exterior, mas limitando sua movimentação e aquisição de novos ativos.
A situação específica de cada indivíduo ou família precisa ser analisada cuidadosamente, conforme sua própria realidade e interesses para adotar o caminho mais condizente com seu perfil e objetivos.