Claudio Conceição: a volta da velha senhora

O pesquisador do instituto FGV IBRE, volta à atenção para os índices de preços elevados e o risco de uma crise energética acendem o sinal de alerta.

Claudio Conceição IBRE/DivulgaEditor executivo da revista Conjuntura Econômica (Foto: Divulgação/FGV IBRE)


Há duas semanas, escrevi nesse espaço “O tamanho da encrenca” que estamos enfiados. Longe de ser arauto de quanto pior melhor, na verdade as coisas estão ficando mais complicadas. Há uma crise global de energia, com os preços do gás natural e dos combustíveis disparando, puxados pela retomada da atividade econômica, com a flexibilização em quase todo o mundo. A demanda por combustíveis que estava reprimida durante a pandemia, voltou a todo vapor. E o governo, ao invés de buscar soluções e entender que a crise energética é global, articulou um discurso que a culpa é da Petrobras, através de sua política de preços, e dos governadores em função do ICMS cobrado.

No caso do botijão de gás, cujo preço já subiu mais de 30% do começo do ano para cá, a Petrobras anunciou, depois de forte pressão do governo e do presidente da Câmara Arthur Lira, um auxílio gás no valor de R$ 300 milhões que terá a duração de quinze meses.

No ano passado, quando se falava de alta dos preços, o vilão era o preço dos alimentos. Agora, há um monte de fatores que tem alimentado a inflação, o que facilita seu espalhamento para a economia como um todo.

André Braz, pesquisador do FGV IBRE e responsável pela área de preços do Instituto, diz que a principal fonte de pressão sobre os preços este ano tem sido os energéticos, divididos em duas classes: a primeira a energia elétrica por força dos reajustes da bandeira tarifaria, e a segunda os derivados de petróleo, principalmente gasolina e diesel. A gasolina tem um efeito pontual, pesando muito no IPCA, comprometendo, em média, mais de 5% do orçamento familiar. Mas não se espalha, sendo mais pontual. Mas o diesel, que pesa menos de meio por cento no IPCA, tem grande potencial de impactar a inflação, pois é responsável pelos fretes, pelo transporte público urbano. Isso explica por que a inflação está contaminando vários setores.

Braz também sinaliza que o mesmo ocorre com a energia elétrica, que também tem forte peso no IPCA como a gasolina, mas funciona semelhante ao diesel, com efeito indireto, encarecendo a produção industrial, a prestação de serviços.

“No caso da energia elétrica ela teria um efeito temporário com o fim das bandeiras tarifárias. Mas, com a crise hídrica, como o governo lançou uma nova bandeira que deverá vigorar até o maio do ano que vem mais ou menos, o espalhamento de aumento de custos para outros setores deverá perdurar. E continuar pressionando a inflação para cima,” afirma Braz .

A crise hídrica é outro fator para a escalada dos preços, afetando os preços de vários alimentos da cesta básica. A começar pela cana de açúcar que teve quebra de safra, contaminando os preços do açúcar refinado, do açúcar cristal, do etanol, além do contágio na gasolina C que leva uma adição de 27,5% de álcool anidro.

Outra fonte de pressão foi a quebra de safra do milho “que afeta a criação de aves, a produção de ovos, sem esquecer do café que, nas regiões produtoras, sofreu com geadas em julho causando queimas das plantas que tiveram que ser podadas, reduzindo a produtividade dos pés. O preço do café virou também um vilão, subindo muito nos supermercados”.

A seca que afeta quase todo o país, chegou no pasto. À medida que não chove, os pecuaristas têm que alimentar seus rebanhos com ração à base de milho e soja, já que o pasto está seco. Isso afetou o preço da carne, do leite, dos laticínios que ficaram mais caros para a população.

Esse monte de acontecimentos gera um espalhamento da inflação na economia como um todo. “Temos percebido que os serviços têm subido de preços, os bens duráveis também ficaram mais caros pelo aumento do dólar, de algumas commodities, por problemas na estrutura produtiva devido à falta de insumos”.

Hoje, o FGV IBRE divulgou o resultado do IPC-S que mede a variação dos preços em sete capitais brasileiras. Na quarta quadrissemana de setembro houve uma alta de 1,43%, levando os resultados acumulados nos últimos doze meses para 9,61%. Cinco das oito classes de despesas captadas na pesquisa registraram aumentos de preços, evidenciando o espalhamento da inflação na economia como um todo.

Alguns vilões da inflação
(IPC-BR – Índice de preços ao consumidor – Variação últimos doze meses).


Fonte: FGV IBRE.

A disparada dos preços levou o Banco Central a divulgar nota informando que a inflação acumulada até setembro deve chegar a dois dígitos, com alta de 10,2%. O IPCA, que mede a inflação oficial do país em agosto foi de 0,87%, o maior dos últimos 21 anos para esse mês. Nos últimos doze meses, a inflação já acumula uma alta de 9,68% . E nada indica que esse quadro irá melhorar no curto espaço de tempo.

O impacto disso sobre a renda das famílias mais pobres é devastador. Segundo estimativas do IBGE, cerca de 80,4 milhões de pessoas são pobres no Brasil – também estão incluídos as que estão abaixo da linha da pobreza. Pipocam casos, país afora, de famílias que voltaram a usar lenha para cozinhar já que o preço do botijão de gás é inacessível. Está por volta de R$ 100,00/120,00.

Essa semana, o jornal Extra publicou uma foto de um caminhão com ossos de boi, na tradicional feira da Glória, no Rio de Janeiro. Os ossos, que antes eram retirados por pessoas para alimentar seus cães, agora são disputados como alimento: as partes de carne grudadas aos ossos viram comida, bem como os ossos. Uma trágica realidade.

Inflação, juros e dólar em alta. Desemprego, problemas fiscais, desemprego, aumento da fome e da pobreza, enorme incerteza política, isolamento com o resto do mundo. Combinação perfeita para que a economia continue andando de lado, como dizem os economistas. O que se reflete no Indicador de Incerteza da Economia que subiu 14,3 pontos em setembro, o maior nível desde março de 2021. É o segundo maior nível de incerteza, abaixo apenas de setembro de 2015, quando excluímos os períodos da pandemia. (Leia mais)

Também recuou o Índice de Confiança Empresarial divulgado hoje (1/10) pelo FGV IBRE, interrompendo uma sequência de altas iniciada em abril de 2021, embora se considerarmos a média móvel ele continuou subindo. Ver mais no Portal do IBRE.

Indicador de Incerteza Econômica


Fonte FGV IBRE.

Mas não é só aqui que a inflação despertou. A quebra de safras, especialmente no Brasil devido à seca, levaram os preços dos alimentos no mundo a atingir o maior patamar em uma década, conforme o índice de preços de alimentos que é calculado pelas Nações Unidas. Também tem contribuído a alta das commodities que se espraiou pelo mundo. Aço, óleo de palma, minério de ferro, petróleo, gás, milho, soja, tudo subindo.

E a crise energética piora esse quadro. Por razões distintas, ela se espalhou pelo planeta. “ A China está com falta de carvão, com apagões e racionamento de energia. Além disso, com o aquecimento da economia mundial os preços das commodities continuam subindo. É o caso do milho, da soja e o trigo que estavam com preços estáveis e passaram a embicar para cima, a exemplo do preço do barril do petróleo que começa a subir e deve se manter, o que é ruim para nós, pois vai impactar os preços do diesel que essa semana já subiu quase 9%”, resume Braz.

Essa semana, o preço do barril de óleo tipo Brent, do Mar do Norte, venceu a barreira dos US$ 80, o que não ocorria há quase três anos.


(Fonte: FGV IBRE)