Bruno Ottoni: O mercado de trabalho vai mal, apesar de alguns analistas estarem otimistas

Mercado de trabalho brasileiro está efetivamente desaquecido, como apontam analistas com foco na PNADC. O fato de o Caged mostrar alta do emprego formal muito expressiva e estoque de empregos formais perto do recorde de 2015 não significa aquecimento do mercado de trabalho.

imagem_2022-04-26_115739016Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e do FGV IBRE. (Foto: Divulgação/FGV IBRE)

Analistas têm defendido duas visões distintas a respeito da situação do mercado de trabalho. Por um lado, existem aqueles que defendem que o mercado de trabalho está desaquecido (com muita ociosidade). Esses, em geral, baseiam seus argumentos nos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os argumentos, baseados nos dados da PNADC, costumam ser do seguinte tipo: (i) a taxa de desemprego segue elevada (11,2% no trimestre encerrado em fevereiro de 2022) e (ii) o rendimento continua perto do patamar mais baixo da série histórica (2.511,00 reais também no trimestre encerrado em fevereiro de 2022).

Por outro lado, vemos analistas que defendem que o mercado de trabalho está aquecido (com baixa ociosidade). Esses, em geral, baseiam seus argumentos nos dados de emprego formal divulgados, pelo governo, através do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED).

Os argumentos, baseados nos dados do CAGED, costumam ir na seguinte linha: (i) a geração de emprego formal tem sido muito expressiva (em fevereiro de 2022, por exemplo, houve criação de 328 mil empregos formais, segundo o CAGED) e (ii) o estoque de empregos formais está em um nível elevado, do ponto de vista histórico (inclusive encontra-se próximo do recorde observado em 2015).

Afinal, que analistas estão certos? O mercado de trabalho está desaquecido (com alta ociosidade), como afirmam os analistas que se baseiam principalmente nos dados da PNADC? Ou o mercado de trabalho está aquecido (com baixa ociosidade), como defendem os analistas que confiam majoritariamente nos dados do CAGED?

Em minha opinião, desde meados de 2020, o mercado de trabalho tem se recuperado de maneira acelerada dos prejuízos causados pela pandemia da Covid-19. Porém, a despeito dessa recuperação, acredito que o mercado de trabalho ainda está desaquecido (com alta ociosidade). Logo, concordo com os analistas que baseiam seus argumentos nos dados da PNADC. Tenho cinco argumentos para sustentar essa visão.

Primeiro, lembro que houve, sim, problemas com os dados da PNADC durante a pandemia da Covid-19. Esses problemas ocorreram porque, em função da pandemia, o IBGE precisou interromper as visitas domiciliares presenciais, utilizadas para coletar os dados da PNADC. Nesse período, os dados passaram a ser coletados por telefone, prejudicando a qualidade das informações.

Porém, o IBGE vem retomando as visitas domiciliares presenciais desde julho de 2021. Consequentemente, as taxas de resposta da PNADC vêm crescendo desde então. Esse processo tende a aumentar a confiabilidade dos dados coletados através da PNADC.

Segundo, o próprio IBGE desenvolveu uma metodologia para lidar com os problemas gerados pela mudança na forma de coleta dos dados da PNADC (que, como explicado acima, durante a pandemia passou a ser feita por telefone). Mais precisamente, o IBGE realizou uma reponderação dos dados da PNADC visando corrigir eventuais problemas que pudessem existir. As novas séries, reponderadas, foram divulgadas no final de 2021. Essa é outra medida, adotada pelo IBGE, que ajuda a aumentar a confiabilidade nos dados da PNADC.

Terceiro, mesmo que ainda haja erros na PNADC – após as medidas tomadas pelo IBGE para lidar com os problemas causados pela mudança na forma de coleta de dados –, eles teriam que ser enormes para o mercado de trabalho estar aquecido.

Pensando no desemprego. O IBGE estima que a taxa de desemprego tenha ficado, no trimestre encerrado em fevereiro de 2022, em 11,2%. Paralelamente, o número de desocupados teria ficado, no mesmo trimestre, em 12,0 milhões.

O que seria um mercado de trabalho aquecido (com baixa ociosidade)? Com taxa de desemprego de 6,0% e com 6,5 milhões de desocupados? Se esse fosse o cenário real, o erro do IBGE teria que ser enorme. Especificamente, a taxa de desemprego teria que estar errada em 5,2 pontos percentuais e o número de desocupados teria que estar errado em 5,5 milhões. Parece pouco provável que esse tipo de erro esteja ocorrendo.

Quarto, os argumentos baseados no fato de que o CAGED tem apresentado criação expressiva de empregos formais não me parecem suficientes para sustentar que o mercado de trabalho esteja aquecido (com baixa ociosidade). Isso porque a própria PNADC tem apontado uma geração acelerada de empregos.

No entanto, na PNADC fica claro que essa geração expressiva de empregos que vem ocorrendo não está sendo suficiente para melhorar o panorama mais geral do mercado de trabalho. Logo, apesar de o mercado de trabalho estar se recuperando, ele ainda não se encontra nem perto de estar aquecido (ainda apresenta elevada ociosidade).

Então, não é porque o CAGED está trazendo forte geração de empregos formais que temos garantia de que o mercado de trabalho esteja aquecido (com baixa ociosidade). Vai depender, na verdade, de qual é o panorama mais geral do mercado de trabalho.

No entanto, o CAGED não tem nada a dizer sobre o panorama mais geral do mercado de trabalho. Logo, os analistas que tentam defender que o mercado de trabalho está aquecido (com baixa ociosidade) com base no argumento de que o CAGED tem apontado forte geração de empregos formais acabam pecando por não conseguir oferecer uma visão mais abrangente da situação do mercado de trabalho.

Finalmente, os argumentos, também baseados no CAGED, de que o mercado de trabalho está aquecido (com baixa ociosidade) porque estamos chegando, agora no início de 2022, perto do recorde de estoque de empregos formais, que ocorreu em 2015, sofrem de duas limitações.

Primeiro, esses argumentos ignoram o fato de que houve quebra da série histórica do CAGED na passagem de 2019 para 2020. Segundo, esses argumentos se esquecem que a população em idade de trabalhar agora em 2022 é muito maior do que era em 2015. Isso se deve ao envelhecimento populacional.

A título de comparação, podemos olhar os dados da PNADC. No trimestre encerrado em fevereiro de 2015, a população em idade de trabalhar era de 160,0 milhões. Já no trimestre encerrado em fevereiro de 2022, a população em idade de trabalhar era de 172,5 milhões. Um aumento de 12,5 milhões.

Esse aumento da população em idade de trabalhar se refletiu em aumento da população na força de trabalho. Especificamente, a população na força de trabalho, que era de quase 100,0 milhões no trimestre encerrado em fevereiro de 2015, chegou a aproximadamente 107,2 milhões no mesmo período de 2022. Um aumento de cerca de 7,2 milhões.

Semelhantemente, a população ocupada (PO) também cresceu no período em questão. A PO passou de aproximadamente 92,3 milhões, no trimestre encerrado em fevereiro de 2015, para cerca de 95,2 milhões, no mesmo período de 2022. Um aumento de quase 3,0 milhões.

A população ocupada, portanto, aumentou bastante de 2015 para 2022. Mas no mesmo período a taxa de desemprego também subiu muito. Especificamente, no período mencionado a taxa de desemprego passou de 7,5% para 11,2%. Trata-se de um aumento de 3,7 pontos percentuais.

Como pode a taxa de desemprego ter aumentado tanto de 2015 para 2022, se a população ocupada cresceu bastante nesse mesmo período? Ora isso ocorreu porque a população em idade de trabalhar aumentou ainda mais de 2015 para 2022. Isso acarretou um aumento expressivo da população na força de trabalho no período em questão.

A consequência desses movimentos é que a população ocupada de 2015 já não é, agora em 2022, suficiente para manter a taxa de desemprego em patamares baixos. Portanto, em 2022 o mercado de trabalho está muito mais desaquecido (com maior ociosidade), comparativamente a 2015, mesmo havendo, agora, uma população ocupada muito maior.

Note-se que o exemplo acima, com dados da PNADC, ilustra a importância de considerarmos aspectos mais gerais para entendermos se o mercado de trabalho está, ou não, aquecido (se está, ou não, com alto grau de ociosidade). Particularmente, a dinâmica populacional se mostrou muito importante na interpretação dos números do mercado de trabalho da PNADC.

O mesmo fenômeno deve ser levado em consideração na análise dos números do CAGED. Logo, não devemos entender o mercado de trabalho como estando aquecido (com baixo grau de ociosidade) apenas com base no fato de que o CAGED mostra que o estoque total de empregos formais, agora em 2022, está se aproximando do recorde observado em 2015.

Isso porque, como houve envelhecimento populacional, e aumento da população em idade de trabalhar, o estoque de empregos formais teria que ser agora em 2022 muito maior para garantir uma situação no mercado semelhante àquela que vigorava em 2015 (lembrando que naquele momento a taxa de desemprego já começava a subir em função da crise econômica do final do governo Dilma Rousseff).

Em resumo, existem duas visões distintas sobre a situação atual do mercado de trabalho. Alguns analistas, com base nos dados do CAGED, acreditam que o mercado de trabalho está aquecido (com baixo grau de ociosidade). Já outros analistas, com base em dados da PNADC, acreditam que o mercado de trabalho está desaquecido (com alto grau de ociosidade). Procurei defender aqui a visão de que o mercado de trabalho está desaquecido (com alta ociosidade).

Minha defesa se baseou em cinco argumentos. Primeiro, lembrei que a retomada da coleta presencial de dados da PNADC tende a melhorar a qualidade das informações da referida pesquisa. Segundo, expliquei que o próprio IBGE fez alterações recentes na PNADC visando aprimorar os dados da pesquisa em questão. Terceiro, defendi que, para que o mercado de trabalho esteja muito aquecido (com baixo grau de ociosidade), a PNADC teria que estar bastante errada. Porém, erros dessa magnitude são pouco prováveis.

Quarto, lembrei que a forte geração de empregos formais que tem sido vista no CAGED é perfeitamente compatível com um quadro de mercado de trabalho desaquecido (com ociosidade alta). Isso é exatamente o que tem sido visto na PNADC. Nesta pesquisa tem ocorrido forte geração de emprego, mas a taxa de desemprego permanece elevada e os rendimentos estão em patamares historicamente baixos.

Finalmente, procurei argumentar que o fato de o estoque de empregos formais do CAGED estar se aproximando, agora em 2022, do recorde observado em 2015, não significa que o mercado de trabalho esteja aquecido (com baixo grau de ociosidade). A razão é que a população em idade de trabalhar, agora em 2022, é muito maior do que era em 2015. Portanto, para o mercado de trabalho estar numa situação semelhante à de 2015 seria necessário termos, agora em 2022, um estoque formal de empregos muito maior.

Fonte: FGV IBRE