Ana Maria Castelo: expectativa da construção tem ligeiro recuo, insuficiente para indicar inversão de ciclo

Especialista do FGV IBRE afirma que um dos segmentos onde a retração das expectativas foi maior é o de edificações residenciais, com recuo de 4,6 pontos no mês contra mês anterior.

A Sondagem da Construção FGV IBRE divulgada nesta segunda-feira (27) aponta estabilidade na confiança do setor, mas com uma composição diferente. Enquanto o humor dos empresários com a situação atual avança – marcando 96,4 pontos – as expectativas em relação ao futuro, campo onde o otimismo foi maior em quase todos os meses desde o início pandemia, registrou um pequeno recuo, de 0,7 ponto em relação ao mês anterior, mantendo-se ainda dentro do nível de neutralidade, com 100,2 pontos.

Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos de Construção do FGV IBRE, afirma que um dos segmentos onde a retração das expectativas foi maior é o de edificações residenciais, com recuo de 4,6 pontos no mês contra mês anterior. “A elevação de taxas do crédito imobiliário por bancos privados deve estar entre esses fatores que acenderam o alerta amarelo dos atores do setor, embora ainda estejam em um nível mais favorável do que o de 2015-17”, afirma Ana.

Até agosto, de acordo ao Banco Central, o desempenho mensal dos financiamentos imobiliários com taxas reguladas registrou alta de 1,3%, para um acréscimo de 1,9% na carteira total de crédito direcionado às famílias. Grau de endividamento das famílias, alto nível de desemprego e inflação alta e mais disseminada também são fatores que pesam nessa equação e reverberam na Sondagem, lembra Ana. O primeiro lugar em queda nas expectativas ficou com o segmento de obras de acabamentos, com recuo de 4,7 pontos, relacionado, entre outros, às reformas – atividade que também pode ser afetada pelo enxugamento da renda da população.

Indicador de expectativaspor segmento
(dados dessazonalizados, indicador padronizado, em pontos)


Fonte: FGV IBRE.

Ana ressalta, entretanto, que esses sinais ainda não são suficientes para apontar a uma inversão do ciclo de crescimento do setor. A própria Sondagem aponta que o segmento de preparação de terrenos, prévio à construção, ainda registra alta nas expectativas. “Levantamento recente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) indica que o primeiro semestre do ano foi muito bom em vendas e lançamentos, sinalizando um processo favorável, com obras em andamento”, diz. De acordo à Abrainc, o número de lançamentos registrados nos 12 meses encerrados em junho representa uma alta de 35,7% em relação ao intervalo precedente; já as vendas cresceram 32,1% na mesma comparação. Os empreendimentos enquadrados dentro do Casa Verde Amarela lideraram os lançamentos (75,7%) e as vendas (82,7%) nos dados anualizados até junho. O desempenho do segmento de alto e médio padrão, entretanto, também é muito positivo, ressalta a Abrainc, com avanço de 113,7% nos lançamentos e de 21,3% nas vendas nesse período de 12 meses.

Lançamentos e vendas de imóveis residenciais:
demanda alta no primeiro semestre aquece atividade


Fonte: Abrainc-Fipe, com base em 18 empresas associadas à Abrainc.

Outro elemento que joga a favor do setor é a evolução mais lenta dos preços de insumos, indica Ana. O Índice Nacional de Custo da Construção (INCC-M) de setembro mostra que a variação de preços de materiais para estrutura, por exemplo, caiu de 1,05% em agosto para 0,78% em setembro; e materiais para acabamento, de 1,16% para 0,93%. No ano, o INCC-M acumula alta de 12%, ainda que em alguns casos, como materiais metálicos, essa alta chegue a 43%. “No caso da cesta de materiais e equipamento, já é o quarto mês de desaceleração. Quando se observa a curva de 12 meses, já é possível observar uma inflexão importante”, diz. No caso da mão de obra, Ana aponta que dificilmente haverá mais repasses até o fim do ano. “O único acordo coletivo que ainda não ocorreu é em Belo Horizonte, e há chances de que seu efeito seja visto somente em janeiro do próximo ano”, diz.

O segmento de infraestrutura, lembra Ana, também deverá pesar favoravelmente para os números da construção. “Espera-se um crescimento do volume de investimentos com origem nos estados, dentro do contexto eleitoral, levando em conta o limite desse calendário para inauguração de obras.” Para a pesquisadora do FGV IBRE, a sustentação de um cenário virtuoso para o setor dependerá dos sinais da conjuntura, para que estimule a decisão de investidores e família. “A subida de Selic já tende a mudar a percepção favorável para o investimento em imóveis favorável em um contexto de baixa remuneração de aplicações financeiras. E o encarecimento do crédito, com mercado de trabalho voltando lentamente, podem ser elementos que levem as uma mudança desse quadro bastante positivo que vemos hoje”, conclui.

Fonte: FGV IBRE